Estatal quer usar empresa, sem licitação, para transporte de carga postal
O Tribunal de Contas da União (TCU) começou a investigar em fevereiro a decisão dos Correios de comprar 49,99% da empresa Rio Linhas Aéreas e de contratá-la sem licitação para serviços de transporte de carga postal. A suspeita da Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura de Aviação Civil do TCU é que o negócio servirá para “burlar” a concorrência entre empresas que operam redes postais noturnas, com “inobservância aos princípios da isonomia, legalidade e impessoalidade”, conforme um documento de 2 de fevereiro.
A Rio Linhas Aéreas já assinou pelo menos seis contratos com a estatal desde 2010, no valor de R$ 517,2 milhões, sempre com a finalidade de transportar carga postal. A empresa, conforme um extrato de reconhecimento de dívida publicado no Diário Oficial da União no último dia 25, cometeu irregularidades na execução de cinco contratos assinados em 2010, 2011, 2012 e 2013. A prática levou os Correios a aplicarem multas de R$ 19 milhões, valor atualizado informado no extrato. A dívida retroage a janeiro deste ano e deve terminar em novembro de 2016.
Uma prática comum dos Correios é criar aditivos para parte desses contratos, tanto para prorrogar os prazos de validade quanto para ampliar o valor pago pelos serviços.
Em 2010, a então ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, perdeu o cargo por conta de suspeitas de tráfico de influência envolvendo outra empresa contratada pelos Correios para esse tipo de serviço. A Justiça Federal em Brasília arquivou em 2012 inquérito aberto pela Polícia Federal para apurar a suposta prática de crimes no episódio.
Agora, a intenção de sociedade entre Correios e Rio Linhas Aéreas levou à abertura de um processo no TCU, em face de “possíveis irregularidades em potencial contratação direta da empresa de transporte aéreo”. Os Correios pretendem ter uma empresa controlada para fazer o transporte de carga, realizado hoje por 13 linhas contratadas para a rede noturna.
A análise preliminar dos técnicos do TCU é que o fato de a participação dos Correios ser minoritária, com 49,99%, “não é suficiente para caracterizar o controle da referida empresa”. A Lei de Licitações permite a dispensa de concorrência para contratar subsidiárias ou controladas. A área técnica do TCU decidiu pedir à estatal informações técnicas e jurídicas que justifiquem a contratação direta da Rio Linhas Aéreas.
O relator do processo, ministro Bruno Dantas, determinou em 25 de fevereiro que os Correios encaminhem documentos sobre o negócio, como o cronograma da participação acionária e os fundamentos para a contratação direta. A estatal pediu mais prazo para entregar os papéis, que se esgota no próximo dia 6.
O caso dos Correios é tratado no Tribunal de Contas da União (TCU) como semelhante ao da Caixa Econômica Federal, que estruturou uma empresa paralela, da qual se tornou sócia, e a contratou sem licitação para serviços de processamento de crédito imobiliário no valor de R$ 1,2 bilhão. O contrato da Caixa com a empresa — uma sociedade de propósito específico (SPE) — está suspenso há mais de dois anos por uma medida cautelar do TCU. Um relatório do tribunal chegou a sugerir a extinção da empresa.
Os Correios não criaram uma empresa, mas se associaram a outra já existente e que lhe presta serviços. Em julho de 2014, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a compra de 49,99% das ações da Rio Linhas Aéreas. Em novembro do mesmo ano, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) autorizou a composição societária. Os Correios não informaram o valor da operação.
Aérea foi melhor alternativa
Em resposta a “O Globo”, os Correios informaram que o negócio ainda não foi fechado. A estatal disse esperar a aprovação do Ministério da Fazenda: “Não há contratos nem prestação de serviços. A Rio é uma das empresas atualmente contratadas pelos Correios, mediante procedimentos licitatórios (pregão eletrônico), que prestam serviço na rede postal noturna”.
A estatal afirmou desconhecer interpretações do TCU sobre supostas irregularidades em dispensas de licitação que venham a ocorrer. O acordo de acionistas vai prever os Correios como controlador da Rio. A empresa admitiu a “O Globo” que a contratação estaria ancorada em artigo da Lei de Licitações que permite a dispensa de concorrência para controladas em determinadas hipóteses.
Os Correios sustentaram ter revisado o modelo de redes postais noturnas em atendimento a recomendações do próprio TCU e da Controladoria Geral da União (CGU). A escolha da Rio foi feita a partir da contratação de uma empresa especializada em fusões e aquisições. “O advisor analisou as principais empresas do mercado e, através de auditorias, diligências e exaustivas análises econômico-financeiras, de riscos jurídicos e operacionais, indicou essa empresa como a melhor alternativa”, afirmou.
A reportagem tentou contato com a sede da Rio Linhas Aéreas na quinta e na sexta-feira, mas não conseguiu falar nos telefones disponíveis no site da empresa.
Fonte: O Globo
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