As contradições de uma ordem econômica evolucionária, os choques entre utópicas concepções políticas, as ambições e os excessos do capitalismo e a crise do fim dos tempos são temas recorrentes em longos ciclos históricos de eterno retorno. Já em meados do século XIX, uma visão dramática desses temas com o pano de fundo de um primitivo capitalismo industrial inspirava a extraordinária tetralogia wagneriana: “O ouro do Reno”, “As valquírias”, “Siegfried” e “O crepúsculo dos deuses”.
“Com seus deuses, seus gigantes e seus anões, suas sereias e suas valquírias, seu mágico anel e sua espada encantada, seu formidável tesouro, ‘O anel do nibelungo’ é um drama atual, e não de uma remota e fabulosa época passada. Só agora poderia esse drama ser escrito, pois lida com eventos que ainda se desenrolam”, registrava Bernard Shaw, em “O wagneriano perfeito” (1898).
Em uma terceira edição de 1907, Bernard Shaw inclui novo capítulo para melhor explicar por que considera “O crepúsculo dos deuses” irrelevante para a filosofia política subjacente à obra. Pois os fatos ocorridos durante o lapso de 25 anos para o término do “Crepúsculo” “demonstravam que a superação da ordem capitalista contemporânea seria um fenômeno muito mais complexo do que o esboçado por Wagner”.
“Não parece claro que os eventos tomaram rumos completamente inesperados? E que, apesar de ‘O anel’ de Wagner e o ‘Manifesto comunista’ de Marx e Engels serem inspiradas visões de leis históricas do fim predestinado de nossa época teocrática e capitalista, tanto Wagner quanto Marx eram melodramáticos demais em sua concepção ‘herói contra vilão’ para antever o real desenrolar da História?”, pergunta Bernard Shaw.
“Outrora se olhava de cima, com franca superioridade, para os que lidavam com o comércio de dinheiro, mesmo quando se precisava deles: afinal, admitiase que a sociedade deve ter suas entranhas.
Atualmente eles são o poder dominante na alma da humanidade moderna e seu mais ávido estrato. Sua onipresença é de uma voracidade sórdida, insaciável.
Nossa época não tem nenhuma consciência dessa inversão de valores.
Mas é uma época vulgar, pois venera o que as nobres épocas anteriores desprezavam”, condena Nietzsche, em seu ensaio “Wagner em Bayreuth” (1876).
Incerteza, ambições, excessos e o anúncio do fim dos tempos: parecem wagnerianos os temas deste início de século XXI?
Fonte: Jornal “O Globo” – 26/07/10
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