Michel Temer e Donald Trump passaram a semana em apuros. O primeiro, por causa das gravações feitas pelo empresário Joesley Batista como parte do acordo de delação premiada na Operação Lava Jato, reveladas no jornal “O Globo” pelo colunista Lauro Jardim. O segundo, pela notícia, publicada no “Washington Post”, de um pedido seu ao ex-diretor do FBI James Comey, semanas antes de demiti-lo, para que ele encerrasse as investigações sobre as conexões entre sua campanha eleitoral e a Rússia. Há mais em comum nos dois casos do que uma investigação da imprensa profissional em nome da sociedade. Tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, surgiram especulações sobre impeachment. Aqui, falou-se também em renúncia e novas eleições. Momentos de crise sempre levantam especulações. Nessas horas, o melhor a fazer é seguir à risca o que determina a Constituição. No Brasil, ela não deixa dúvida. Em caso de renúncia, impeachment ou saída prematura de um vice que ocupa a Presidência, o presidente da Câmara deve assumir o cargo e, como já transcorreu mais da metade do mandato, convocar eleições indiretas em 30 dias – o novo presidente seria eleito por maioria simples dos parlamentares. Por mais que outras soluções pareçam mais “democráticas”, não são. Democrático é seguir a Constituição.
Nos Estados Unidos, em caso de impeachment, o vice assume o cargo até o final do mandato – e indica um novo vice, submetido à aprovação do Congresso. Mas e quando a Constituição falha? E quando é incapaz de prever rumos eficazes para o desfecho das crises políticas? Mesmo lá, na democracia mais antiga do planeta, há brechas constitucionais a impasses insolúveis, situações hipotéticas que jamais ocorreram, mas não podem ser descartadas – ainda mais num governo imprevisível. Num pequeno livro lançado há cinco anos, o constitucionalista Brian Kalt, da Universidade Estadual do Michigan, se debruça sobre os “precipícios constitucionais”, abismos criados por duas interpretações aceitáveis e antagônicas para a lei máxima. Em “Constitutional cliffhangers”, ele elenca seis situações capazes de conduzir o país a um beco sem saída. Sem falar no impeachment, pelo menos três delas poderiam, em tese, se tornar realidade se o caos predominar no governo Trump:
Deposição pela 25ª emenda – Aprovada em 1967 para lidar com situações de incapacidade física ou mental, ela prevê que o vice e a maioria do gabinete podem depor o presidente. Basta comunicar o Congresso. Mas o presidente pode reagir e se declarar apto. O vice e o gabinete têm, então, quatro dias para reiterar a inépcia. Em seguida, o Congresso precisa decidir em 21 dias, por maioria de dois terços, se o vice fica no cargo. O texto constitucional deixa dúvida, porém, sobre quem exerce o poder nos quatro dias entre a reação presidencial e a nova declaração do vice. Se, numa situação-limite, o vice Mike Pence e o gabinete depusessem Trump por inépcia, ele poderia usar o período para demitir o gabinete e evitar a deposição? O país ficaria sobre duplo comando? Eis o impasse.
Processo criminal – Mesmo que Trump tenha apoio político na Câmara para se livrar do impeachment, a Constituição não é clara sobre sua imunidade a processo criminal durante o exercício do mandato. No Brasil, a Câmara precisa autorizar o julgamento por crimes comuns no Supremo Tribunal Federal (STF). Lá, a Justiça não depende do Legislativo para agir. Num caso envolvendo Bill Clinton, a Suprema Corte já decidiu que o presidente não está imune a processos cíveis. Mas não há definição sobre os criminais. “Há bons argumentos dos dois lados, e ninguém tentou processar um presidente ainda”, diz Kalt. “Se um promotor decidir apresentar acusações criminais contra um presidente no cargo, será impossível evitar a questão.” O que acontecerá se o procurador especial nomeado para investigar a conexão russa descobrir crimes comuns atribuídos a Trump? Novo impasse.
O autoperdão – A Constituição americana confere ao presidente o poder ilimitado de perdão, exceto sobre casos de impeachment. Num cenário hipotético, não está excluída nem a possibilidade de um presidente perdoar a si próprio. Ainda que ela pareça absurda, foi cogitada e descartada por Clinton e por Richard Nixon (na época do Watergate, ele acabou perdoado de todas as acusações pelo sucessor, Gerald Ford). E se Trump for condenado e decidir usar o perdão presidencial em benefício próprio? Seria o impasse dos impasses.
Diante dessas possibilidades, não há muito motivo para o brasileiro ficar preocupado com a crise que se abateu sobre o governo Temer. Estamos distantes de um precipício constitucional e, até agora, nossas instituições têm respondido muito bem aos desafios.
Fonte: “Época”, 21 de maio de 2017.
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