José Padilha entrou para a filmografia nacional como um míssil. Simplesmente, devastou um punhado de lugares-comuns ao lançar os chocantes Tropa de Elite 1 e 2 (em 2007 e 2010). Inverteu, por exemplo, o eixo da tradicional narrativa dos filmes brasileiros, ao não retratar bandidos e usuários de drogas como “vítimas do sistema”. Mostrou ainda a podridão do poder em estado bruto. E mexeu fundo com a sociedade. Parecia ter levantado a tampa de uma panela de pressão com o fogo ligado. O debate explodiu. Entre “fascista” e “gênio”, ele foi chamado de tudo. Hoje, Padilha vive em Los Angeles, nos Estados Unidos, onde filmou a última versão de Robocop e concluiu a série Narcos, da Netflix. De lá, o cineasta enxerga um país polarizado de forma “burra” e torce para que a Justiça e o Ministério Público levem até o fim operações como a Lava Jato e a Zelotes. “Se isso ocorrer, o Brasil tem uma chance de virar um país melhor”, diz.
Época Negócios – Nos anos 80, Tom Jobim indicava que a melhor saída para o Brasil era o aeroporto do Galeão. Anos depois, isso funcionou para o senhor?
José Padilha – Como disse Henry David Thoreau, não pertenço a nenhuma sociedade na qual não tenha me inscrito voluntariamente. Sim, me sinto ligado ao Brasil por minha história de vida e cultura, mas nunca me inscrevi no Brasil. Não estou umbilicalmente preso ao país. Sou uma pessoa livre. Busco as oportunidades e os locais que me atraem. Não faço isso para sair do lugar onde estou, mas para explorar possibilidades. Estou feliz em Los Angeles.
Época Negócios – Quais as perspectivas para o cinema brasileiro?
José Padilha – No curto prazo, muitas dificuldades, poucas produções, perda de talentos para outros países. Recessão de 6% em dois anos é dureza… Lula, o filho do Brasil… Queria ver o cinema fazer a segunda parte. Lula, o filho…
Época Negócios – Em tempos de crise, o orçamento público e privado para a cultura desaba. O que fazer?
José Padilha – Entre as consequências da desastrosa administração econômica do PT-PMDB estão a gigantesca queda do PIB, que reduz o lucro das empresas, e o fim da capacidade de investimento de companhias como a Petrobras e o BNDES, surrupiadas em tenebrosas transações. Para o financiamento da cultura brasileira, feito via incentivos fiscais sobre o Imposto de Renda, isso significa poucas produções e artistas desempregados. A saída? Acordar para a realidade. Botar a boca no mundo. Lutar pela punição exemplar dos responsáveis pelo atual estado de coisas. Enquanto a economia não melhora, trabalhar com afinco, mas sem recursos e expectativa de retorno. Uma tragédia.
Época Negócios – O senhor é favorável ao impeachment?
José Padilha – Ele é merecido, pois as pedaladas fiscais são criminosas e a queda de 6% do PIB em dois anos é absurda. Mas não é solução. Necessariamente, ele seria feito por políticos sem moral para tanto. Os rotos caçando os esfarrapados. Para mim, o melhor caminho é a prisão dos corruptos descobertos pelas operações Lava Jato e Zelotes, chefes de quadrilha inclusive, e a impugnação das campanhas que receberam recursos de propina e caixa dois. Depois, novas eleições. Essa não é uma posição ideológica. É uma posição ética. Quanto à economia, foi destruída por uma administração inepta de um grupo intelectualmente tacanho. Mantega e Dilma são, pura e simplesmente, incompetentes ao extremo. Lula sabe muito de malandragem e política rameira, mas nada sabe de administração e economia. Pegou vento de popa nos dois mandatos. Mas a sorte não dura para sempre.
Época Negócios – Hoje, o problema do Brasil é político ou econômico?
José Padilha – O Brasil está polarizado de forma burra. É um país onde os formadores de opinião repetem chavões ideológicos sem saber o que falam. São de esquerda ou de direita, mas nunca leram em profundidade Marx, Hayek, Keynes, Popper, Von Mises… Ninguém… “Pensam” a partir de bordões acrílicos baseados no senso comum, e tomam posições político-ideológicas em defesa deste ou daquele grupo político. Não percebem que o momento atual não pede ideologia. Pede lisura e correção quanto às regras do jogo democrático. Sem a manutenção dessas regras, os debates ideológicos não acontecem de forma real e benéfica. A democracia é fraudada pelo caixa dois e pelo dinheiro de corrupção das campanhas. O sistema político atual está tão podre que só o sistema jurídico tem credibilidade para apontar para um futuro melhor.
Época Negócios – Como o Brasil tem sido visto nos Estados Unidos?
José Padilha – Tem sido bastante ignorado, mas logo vai entrar na ordem do dia com os processos contra a Petrobras, as delações da Fifa, as investigações do BTG, as prisões de alguns corruptos famosos que ainda se encontram soltos e a Olimpíada, é claro.
Época Negócios – Em que medida o Pablo Escobar, de Narcos, representa o anti-herói latino-americano?
José Padilha – Tenho a impressão que os latino-americanos não gostam de heróis – apesar de os terem. Joaquim Barbosa e Sérgio Moro são indivíduos que estão mudando a face do país. E, no entanto, vejo grande resistência à ideia de que, ao enfrentar o status quo, eles realizaram feitos heroicos. Nos Estados Unidos, isso seria um lugar-comum. No Brasil, há a falsa ideia de que as soluções são sempre coletivas. Quem pensa assim esquece que parte importante da nossa civilização veio do trabalho de alguns gênios como Newton, Maxwell, Einstein. Imaginar que indivíduos não fazem diferença é um passatempo interessante e ressentido da patrulha ideológica.
Época Negócios – O senhor defende o cinema como instrumento de educação. O que Narcos ensina para o Brasil?
José Padilha – Narcos mostra que o combate às drogas não pode ser centrado no combate à oferta. Esse paradigma leva à militarização excessiva do problema e a uma violência sem resultados práticos. Quando Pablo Escobar morreu, o trafico de cocaína já estava em Cali. Quando destruíram o cartel de Cali, ele havia debandado para Sinaloa. Quando acabaram com as Farc, migrou para o México… A oferta muda de lugar mas continua, se houver demanda forte. O problema das drogas só será mitigado quando lidarmos com a demanda.
Época Negócios – No fim de Tropa de Elite 2, o coronel Nascimento fala que os nossos entraves não serão resolvidos, pois o “problema é o sistema”. O senhor vê saída para o Brasil?
José Padilha – O sistema político brasileiro é inerentemente corrupto faz anos. O PT entrou no poder dizendo que iria mudar as coisas. Mas apenas exacerbou e vulgarizou a corrupção. O PT traiu o discurso progressista e a esquerda – e uma geração de jovens que acreditou no Lula. Lula fez aos eleitores brasileiros o que Madoff fez a seus investidores. Isso acabou expondo o sistema. Os desvios do PT-PMDB foram tão sem controle e descarados que a Justiça, via Barbosa e Moro, conseguiu dar um córner no sistema político. Foi o que de mais importante aconteceu no Brasil nos últimos dez anos. Agora, resta saber se a Justiça vai levar a cabo o que começou. Se isso ocorrer, o Brasil tem uma chance de virar um país melhor.
Época Negócios – O senhor voltaria a morar no Brasil?
José Padilha – Com certeza. Adoro o Rio. Sou Flamengo até morrer.
Fonte: “Época”, 18 de fevereiro de 2016.
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