O valor supremo de uma democracia é o voto. Os brasileiros lutaram muito por este direito, negligenciado durante décadas. Foi por meio dele que vencemos a falta de liberdade que assolou o país durante décadas.
O princípio da democracia representativa traduz que deputados e senadores expressam as aspirações dos brasileiros. Os parlamentares, depois de diplomados, tornam-se desta forma o próprio cidadão, responsáveis por manifestar em seu mandato a vontade do povo. Esta é a essência da democracia.
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Assim, quando o regime militar cassou, sem qualquer base constitucional, o mandato dos representantes do povo, entendeu-se que o governo estava violando a vontade dos cidadãos, retirando do parlamento, de forma ilegal, mediante a introdução de atos institucionais, as vozes dissonantes e incômodas da oposição. Restabelecida a democracia, voltou a tornar-se inviolável o mandato parlamentar, como maior expressão da democracia, proclamada pela vontade popular.
Dispõe nossa Carta Constitucional que, depois de diplomados, os parlamentares com mandatos outorgados pelo povo, somente serão suspendidos ou cassados pelos próprios pares.
Corporativismo? De forma alguma. Existe implícito o princípio de que somente o povo, neste caso por meio de outros representantes, pode suspender ou cassar o mandato de outro parlamentar. Cabe aos representantes da população, e tão somente a estes, o direito de repreensão parlamentar em qualquer nível.
Assim sendo, somente cabe ao Poder Judiciário, segundo reza a Constituição, debruçar-se sobre o mandato parlamentar em caso de prisão em flagrante de crime inafiançável que, mesmo assim, deve ser submetido para ratificação pelo plenário da respectiva Casa.
No passado, quando afastou Eduardo Cunha, Teori Zavascki, reconhecendo que a medida de afastamento parlamentar não estava prevista na Constituição, escreveu: “Decide-se aqui uma situação extraordinária, excepcional e, por isso, pontual e individualizada”. Infelizmente, a exceção tornou-se regra. As denúncias de corrupção, que ceifaram a confiança nos políticos, serviu de justificativa para o Judiciário sentir-se investido da missão de escolher quem segue no jogo parlamentar. Um triste erro de cálculo constitucional.
A filosofia política nos ensina que, em uma democracia, a vontade do povo deve prevalecer sobre a vontade da burocracia. A inversão deste papel nos jogará em uma espécie de autocracia do Judiciário, uma clara subversão dos valores democráticos.
A suspensão de mandato parlamentar tornou-se lugar comum. A falta de dispositivo legal que sustente a decisão torna a medida ainda pior. A justificativa débil de que disposições infraconstitucionais penais sobrepõe-se à Constituição é uma construção primária. Corrupção não pode ser combatida com violação de direitos. Um juiz não pode fazer democracia com sua caneta. Vivemos dias tristes, de verdadeiros atos institucionais proferidos por ministros que deveriam zelar pela Constituição. Vivemos tempos sombrios.
Fonte: “O Tempo”, 02/10/2017
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