Pesquisas qualitativas indicam uma deterioração do mercado de trabalho. A sondagem da FGV mostra que cresce o número relativo de indivíduos que enfrentam dificuldades para encontrar emprego. O índice, que estava no piso em torno de 20 pontos em 2012, agora em agosto se aproximou de 50 pontos. Segundo a CNI, o medo do desemprego sobe lentamente. O índice no trimestre passado atingiu 76,1 pontos, contra o piso de 69 pontos no primeiro trimestre de 2013. Como explicar esse retrato enquanto, ao mesmo tempo, a taxa de desemprego está nas mínimas históricas, segundo o IBGE?
Alguns analistas buscam conciliar esses resultados conflitantes entre a sensação dos indivíduos e as estatísticas fazendo ajustes no cálculo da taxa de desemprego. Como a queda atual do desemprego está mais associada à saída de pessoas do mercado de trabalho do que ao aumento da ocupação, implicando queda na chamada taxa de participação (razão entre a força de trabalho e a população em idade ativa), recalcula-se a taxa de desemprego assumindo a estabilidade desta taxa. Em outras palavras, assumindo a estabilidade da procura de emprego, a taxa de desemprego estaria subindo, em linha com a sinalização dos indicadores qualitativos.
Uma possível motivação para esse ajuste do cálculo da taxa de desemprego é que a natureza da queda da procura de emprego, que atinge mais os jovens, não é necessariamente benigna. Dada a rapidez do movimento nos últimos trimestres, talvez ela não reflita apenas o desejo dos jovens de investir mais em educação. O fato é que o mercado de trabalho está menos favorável a esse grupo, o que pode estar desestimulando a procura de emprego, levando à queda da taxa de desemprego.
A greve no IBGE dificulta a compreensão da dinâmica recente do mercado de trabalho, pois o último dado completo disponível da pesquisa é de abril. Mas como o IBGE não é o único instituto que calcula a taxa de desemprego, vale a pena buscar informações alternativas, no caso as do Dieese.
As pesquisas de emprego do IBGE e do Dieese têm algumas diferenças metodológicas. Ambas pesquisam regiões metropolitanas, tendo em comum na amostra Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e Recife. O IBGE ainda incorpora Rio de Janeiro, e o Dieese, Fortaleza.
O desemprego aberto calculado pelo Dieese (a instituição também calcula o desemprego oculto) é sempre superior ao do IBGE. Mas a tendência e o ciclo das séries costumavam ser parecidos. Ocorre que houve um importante descolamento entre as séries, a partir de meados de 2011, quando a taxa de desemprego média de 12 meses pelo Dieese mostrou inflexão, iniciando suave trajetória de alta, enquanto que a do IBGE continuou recuando lentamente. Nos últimos 12 meses terminados em abril (último dado comparável), a taxa média do Dieese estava em 8,2%, depois de atingir o piso de 7,8% em meados de 2012. Já o IBGE registrou taxa mínima histórica de 5,2%. Em outras palavras, antes a diferença entre IBGE e Dieese estava mais associada aos patamares das séries. Agora a divergência está também nas diferentes tendências no curto prazo.
A abertura regional indica maior divergência nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Salvador e São Paulo. Pelo Dieese, a taxa de desemprego sobe desde o início de 2013 em BH; e em Salvador, desde meados de 2011. Pelo IBGE, BH registra queda e Salvador exibe alta moderada e apenas recentemente. Para São Paulo, a taxa está praticamente estável desde 2012 segundo o Dieese, enquanto o IBGE aponta queda.
A divergência dos dados não pode ser atribuída aos empregos gerados, pois a ocupação em relação ao total de pessoas em idade ativa não mostra descolamento relevante. Tanto IBGE quanto Dieese estão apontando taxa média de 53,7%, e com tendência de queda, ainda que suave. A queda na taxa de ocupação indicada por ambos os institutos pode estar alimentando o desconforto da sociedade com o mercado de trabalho, conforme capturado pelas pesquisas qualitativas.
É na medição dos chamados desocupados (basicamente são pessoas que estão sem trabalho e buscam emprego) que há divergência entre os institutos. Uma forma de analisar este descasamento é pela medida de procura de trabalho (pessoas desocupadas em relação ao total de pessoas inativas, que procuram ou não emprego).
Enquanto esta variável ensaia movimento de alta pelo Dieese (está na casa de 13,4%, ante piso de 12,9% do final de 2011), no IBGE mantém-se em queda (em torno de 6%). Para além dos diferentes patamares, o fato é que tem ocorrido divergência nas tendências recentes das séries, que é o que explica o descasamento das taxas de desemprego medidas pelos institutos.
Como a série do IBGE tem padrão cíclico mais marcado em comparação à do Dieese, é possível que este descasamento seja transitório, com a taxa de desemprego do IBGE mostrando inflexão para cima em breve, a exemplo do que já é observado pelo Dieese.
Pela análise do cenário econômico, este parece o quadro mais provável, tendo em vista a tendência de demissões líquidas na economia ao longo do segundo semestre, a exemplo do que já ocorre há meses na indústria e na construção civil. Pela estagnação recente do varejo e do setor de serviços, o risco é de aumento do desemprego.
Enfim, qualquer que seja a tendência de curto prazo, o fato é que não se pode minimizar o desconforto atual da sociedade, havendo evidências que esta percepção tem respaldo nas estatísticas.
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