O Tesouro Nacional continua recorrendo à chamada contabilidade criativa para obter superávit primário e vem segurando repasses obrigatórios e devidos à Previdência
Para fechar as contas neste ano, com as despesas crescendo acima das receitas, o governo está fazendo malabarismos e manobras que afetam o caixa da Previdência e outras áreas essenciais. Virou praxe trabalhar com projeções de despesas subestimadas, como no seguro desemprego e aposentadorias. Embora negue, o Tesouro Nacional continua recorrendo à chamada contabilidade criativa para obter superávit primário (economia para pagamento de juros da dívida pública) e vem segurando repasses obrigatórios e devidos à Previdência, ao programa Minha Casa Minha Vida, ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e até ao Bolsa Família. O total de adiamentos chega a R$ 10 bilhões.
No caso da Previdência, o Tesouro negociou com o Conselho Federal de Justiça para pagar os precatórios devidos aos aposentados em novembro e, assim, a despesa, tradicionalmente registrada em abril, só vai aparecer nas contas em dezembro, depois das eleições, reduzindo o déficit do INSS até lá em mais de R$ 3 bilhões.
Na proposta orçamentária enviada ao Congresso na semana passada, os ministérios da Fazenda e do Planejamento desconsideraram a projeção de custos do Ministério do Trabalho para o seguro desemprego, de R$ 35,1 bilhões, e o abono salarial (PIS), estimado em R$ 16,7 bilhões, em 2014. No texto, a previsão de gastos com o seguro ficou em R$ 27,7 bilhões e com o abono, em R$ 15,2 bilhões. A área econômica insistiu num déficit de R$ 40 bilhões para a Previdência, contra R$ 49,9 bilhões em 2013. A estimativa do Ministério da Previdência, também descartada, era de um resultado negativo na casa dos R$ 50 bilhões neste ano.
Levantamento da Consultoria de Orçamento da Câmara, com base em dados do Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira), mostra que, em janeiro, o Tesouro rolou para o mês seguinte 5,66% dos desembolsos programados. Em fevereiro, o percentual subiu a 18,9% e, em março, ficou em 10,86%.
Segundo fontes do governo, nos últimos meses, o Tesouro também vem adiando os repasses aos bancos para cobrir pagamentos a aposentados que recebem benefícios de até um salário mínimo, deixando o mês virar para fazer os depósitos. Em fevereiro, conseguiu aliviar o déficit da Previdência em R$ 2 bilhões com esta manobra; em janeiro, em R$ 3 bilhões.
No Minha Casa Minha Vida, uma da bandeira do governo, desde dezembro, o Tesouro atrasa os pagamentos às empresas contratadas na faixa 1 (para renda de até R$ 1.600). Realizados em até dois dias após a medição da obra pela Caixa, os desembolsos passaram a acontecer com até 30 dias de atraso. Depois que as queixas do setor vieram a público, o Tesouro se comprometeu a quitar a dívida em até 15 dias após a medição, a partir deste mês. Mas há dúvidas se a promessa será cumprida.
Fontes do Conselho Deliberativo do FAT (Codefat) afirmam que o Fundo está virando todo os meses devendo à Caixa cerca de R$ 1 bilhão. Isto porque o banco paga o seguro desemprego aos beneficiários. Além disso, o Codefat só repassa os valores no mês seguinte, porque o Tesouro está segurando as transferências.
– Há uma queda de braço com a Fazenda. O jogo está pesado. As projeções da Fazenda são irreais, as despesas estão subestimadas e as receitas, superestimadas. Mandaram a gente arrochar – confidenciou um interlocutor, acrescentando que ouve as mesmas queixas de colegas de outras áreas, que cuidam do Bolsa Família, por exemplo.
A suspeita da Consultoria de Orçamento da Câmara é que a demora nos repasses do Tesouro aos bancos esteja sendo compensada pelo atraso das transferências que as instituições financeiras fazem aos municípios, por exemplo, no caso dos royalties. Caso isso esteja acontecendo, os municípios estão pagando a conta, disse o consultor de Orçamento e Fiscalização Financeira, Francisco Lúcio Pereira Filho.
O presidente da Confederação Brasileira dos Aposentados (Cobap), Warley Martins, disse que vai acionar os advogados da entidade, na tentativa de reverter o adiantamento do pagamento dos precatórios aos aposentados:
– Não podemos concordar com a medida. Alguns aposentados estão esperando há dez anos para receber. Muitos já morreram . Isso não é justo .
O Tribunal de Contas da União (TCU) está de olho na contabilidade criativa do governo e ameaça não aprovar as contas do governo de 2013, no próximo mês, se não forem seguidas as recomendações dadas anteriormente. O foco de preocupação dos técnicos do Tribunal é com os gastos com aposentadoria – um item de fundamental importância do ponto de vista das contas públicas. No ano passado, o regime geral (INSS) registrou déficit de R$ 51,2 bilhões, já considerando a inflação (INPC) e o regime próprio (funcionários públicos), outro rombo de R$ 62,7 bilhões. Este valor representa 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB).
O gasto com aposentadoria é o segunda rubrica de pressão no balanço das contas da União, depois da dívida pública. Oficialmente, os Ministérios envolvidos negam a existência de pressão da Fazenda, bem como atraso no repasse de verbas.
Em nota oficial, o Tesouro Nacional nega postergação de despesas para obtenção de maior resultado fiscal:”Os recursos estão sendo repassados pelo Tesouro Nacional para os órgãos da administração pública em linha com o decreto de programação orçamentária”, garante.
Fonte: O Globo
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