A inflação ficará na vizinhança de 6% pelo quinto ano consecutivo, em 2014 – bem longe, portanto, da meta oficial de 4,5%. O resultado final vai depender de vários fatores, incluído o aumento dos combustíveis, 3% para a gasolina e 5% para o diesel, definido na primeira semana de novembro. O número poderia ser mais feio, se o reajuste de preços contidos por decisão do governo tivesse começado mais cedo. As contas de luz voltaram a subir neste ano, gradualmente, e a atualização dos valores ainda está incompleta. Segundo os grandes jornais, o aumento autorizado à Petrobras foi calculado para evitar o rompimento do “teto da meta”, de 6,5%. Dois dias depois, ao noticiar a inflação de outubro, 0,42%, um jornal mencionou o “risco de estouro da meta”.
Que risco será esse, nesta altura, se em dez meses o Índice de Preços ao Consumidor – Amplo (IPCA) subiu 5,05%? O alvo já foi perdido, bem antes do fim do ano, e ainda faltam os números de novembro e dezembro. Só uma gigantesca e inimaginável deflação permitiria, nesta altura, uma reaproximação da taxa acumulada de 4,5%.
Nos jornais e na maior parte dos meios de comunicação, as expressões “meta” e “teto da meta” são obviamente usadas de modo um tanto frouxo. Tecnicamente, a meta é um ponto, 4,5%. Acima e abaixo desse alvo há dois pontos de porcentagem de margem de tolerância. Essa margem deve servir – esta é, pelo menos, a ideia dominante nos países bem administrados – para acomodar desvios causados por fatores excepcionais.
Exemplos desses fatores podem ser uma seca devastadora e simultânea no Brasil, na Austrália e na Argentina, ou uma crise prolongada no mercado de petróleo. Quando ocorrem desastres como esses, aceitar uma inflação acima da meta pode ser aconselhável. Nessas ocasiões, o custo de uma política monetária mais apertada por ser muito maior que o ganho possível contra a alta geral de preços. Nessas condições, a autoridade aceita um pouco mais de inflação em troca de um pouco mais de crescimento econômico.
Mensagem falsa
Nenhum desastre fora do comum ocorreu nos mercados nos últimos quatro ou cinco anos. Se tivesse ocorrido, os efeitos teriam aparecido em muitos outros países. Mas a maior parte dos emergentes, incluídos muitos vizinhos sul-americanos, atravessaram esse período com taxas de crescimento muito maiores e taxas de inflação muito menores que as do Brasil.
Chile, Colômbia, Equador e Peru são bons exemplos. Mais recentemente, o Paraguai também tem apresentado números bem favoráveis. Não é necessário mencionar os casos dos países mais dinâmicos da Ásia. Além disso, em quase todos as metas são inferiores a 4,5% e as margens, mais estreitas.
Mas por que insistir numa linguagem mais precisa, neste caso? Imprecisões são comuns, até por didatismo, na linguagem jornalística. É verdade, mas o resultado, quando se menciona um “teto da meta” ou quando se usa a palavra “meta” com sentido muito frouxo, é o oposto do didático. Em casos como esses, a imprecisão desinforma ou – pior que isso – engana o leitor, ouvinte ou telespectador.
Nos quatro anos a partir de 2010, a inflação, medida entre janeiro e dezembro, ficou em 5,91%, 6,5%, 5,84% e 5,91%. Num desses anos, 2011, bateu no limite de tolerância, impropriamente chamado “teto da meta” no dia a dia dos meios de comunicação. Neste ano, o acumulado ficará em 5,93%, se o número de outubro, 0,42%, se repetir em novembro e dezembro.
Se isso ocorrer, a retórica oficial poderá mais uma vez proclamar um resultado “dentro da meta”. Essa proclamação valerá mesmo com uma taxa final de 6,5%, isto é, exatamente no “teto”. E o público mais uma vez estará diante de uma lorota.
Com a ajuda dos meios de comunicação, provavelmente involuntária e inocente, o ministro da Fazenda e outros membros do governo têm vendido aos leitores, ouvintes e espectadores a ideia de um persistente cumprimento da política de metas. Essa mensagem é falsa, mas tem aparecido com frequência e com frequência tem sido repassada, sem reparos, pelos jornais e outros órgãos de informação.
Modos de embromar
A verdade apontada pelos números é outra: em nenhum ano, a partir de 2010, o compromisso de controle da inflação foi cumprido. O governo e o Banco Central sempre agiram como se a meta real fosse algum ponto entre 5,5% e 6%. – uma hipótese apontada há mais de um ano por mais de um analista econômico.
Ante de qualificar como preciosismo a crítica de expressões como “teto da meta”, é bom pensar nos efeitos dessa imprecisão. Alguém se beneficia disso? O uso dessa linguagem melhora a informação ou contribui, mesmo que de forma inocente, para uma embromação política?
Fonte: Observatório da Imprensa, 11/11/2014.
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