Pode-se admirar ou odiar Margaret Thatcher, não lhe ser indiferente. Como ela mesma se definiu, em 1979, quando se tornou primeira-ministra, “não sou uma política de consenso. Eu sou uma política de convicção”. E foi em torno de suas convicções que Thatcher fez a carreira, sem receio de enfrentar os opositores, na política, nos sindicatos, em outros governos. Seu objetivo era mudar o próprio país e o mundo, e isso não seria possível contemporizando. Como observou em 1989, “se o seu objetivo é ser gostado, você vai estar preparado para buscar um compromisso em tudo e a qualquer tempo e, no fim, você não vai alcançar nada”.
Como nota a “The Economist”, suas brigas tinham um tema em comum: liberar os indivíduos, como cidadãos e agentes econômicos, para cuidar da vida tão livres quanto possível do microgerenciamento estatal. O sucesso em alcançar esse objetivo não resultou, porém, apenas da determinação, mas também de ser a pessoa certa no local e no momento certos.
A primeira frente de batalha foi a economia britânica. No Reino Unido, como na maior parte do mundo, a política econômica oscilou no século 20 do forte liberalismo ao intenso intervencionismo. O Estado cresceu muito de tamanho: nos programas de bem-estar, na criação de estatais, na fixação de múltiplas regulações etc. Os sindicatos, uma criação do início do século, ganharam enorme força política.
Esse modelo funcionou no período pós-Segunda Grande Guerra, mas perdeu eficiência a partir dos anos 1960. O desempenho econômico do Reino Unido, em especial, piorou bastante, sendo marcado nos anos 1970, como no resto do mundo, por estagnação econômica e alta inflação. As greves recorrentes prejudicavam ainda mais a economia. O foco passou cada vez mais para conseguir um pedaço maior do bolo, em vez de aumentá-lo.
Duas lições que emergiram nessa época dizem respeito à importância das falhas de governo e do rent seeking. A intervenção estatal foi justificada no século 20 por o mercado não ser perfeito, e a intervenção do Estado poder melhorar as coisas. O que a experiência mostrou é que possibilidade não é certeza: na prática, não apenas o governo não consegue melhorar as coisas, como ele também tem as próprias falhas, que às vezes são mais graves que as de mercado. Por seu lado, a intervenção estatal gera ganhadores e perdedores e pode ser mais interessante para uma empresa conseguir intervenção favorável — proteção tarifária, crédito subsidiado, isenção tributária — do que se dedicar ao trabalho duro de aumentar a produtividade e a competitividade.
O sucesso de Thatcher em combater e mudar esse modelo resultou em parte de ele não estar funcionando. Thatcher privatizou as principais estatais do país, enfrentou e venceu os sindicatos, liberalizou mercados, do financeiro ao de trabalho, abriu a economia e reduziu o deficit público. Eram medidas necessárias, que melhoraram muito o desempenho econômico do país.
Mas Thatcher não queria mudar apenas o Reino Unido, mas também o mundo. Com a parceria de Ronald Reagan, com quem tinha claras afinidades ideológicas, popularizou as reformas de mercado, depois copiadas por outros países em que o modelo anterior também esgotara sua utilidade. O Brasil foi um desses países. Aqui, como lá, os políticos que se opuseram a essas reformas não as desfizeram quando assumiram o poder, pela mesma razão que no Reino Unido: elas funcionaram.
A terceira batalha de Lady Thatcher foi contra o comunismo. Ela apoiou Reagan na corrida armamentista dos anos 1980, que levou a União Soviética à falência, pela incapacidade de gerar recursos suficientes para cobrir os gastos militares. Na outra ponta, estabeleceu canal privilegiado com Mikhail Gorbachev, o que facilitou o fim da guerra fria e a queda do Muro de Berlim. Os antigos países do bloco comunista adotaram entusiasticamente as reformas preconizadas por Thatcher.
Thatcher deixou o governo em 1990. Suas ideias e a disposição de persegui-las sem compromissos mudaram o mundo. O que não significa dizer que ficou integralmente à sua feição. Até como reação ao forte liberalismo dos anos 1980, os governos seguintes tiveram caráter mais socialdemocrata, com Bill Clinton, Tony Blair e FHC, para ficar nos mais conhecidos.
Mais recentemente, porém, seja em reação à crise financeira, seja pela possibilidade que reabriu de perseguirem velhas ideologias, vê-se um aumento do papel do Estado e do microgerenciamento estatal. É hora de relembrar as ideias de Thatcher, antes que repitamos os mesmos erros. Como observou Bernard Shaw, há tantos erros novos a cometer que é falta de imaginação repetir os antigos.
Fonte: Correio Brasiliense, 11/04/2013
Infelizmente o Brasil vai precisar cair no fundo do poço para acordar, se bem que já caminhamos a passos largos para o desastre.