O fim de novembro deu a impressão de quase estarmos outra vez nos primeiros dias da pandemia. As bolsas de valores no mundo caíram quando surgiram notícias de o que viria a ser conhecido como a variante Ômicron e os investidores temeram outra rodada de restrições ou que as pessoas se confinassem.
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Dois meses depois, o impacto da Ômicron está lentamente ganhando atenção. Até agora, ele é, em grande parte, melhor do que o esperado. Os mercados estão imprevisíveis, mas por causa das perspectivas de maiores taxas de juros, e não pela covid-19. O banco Goldman Sachs elaborou um índice de preço de ações de empresas europeias, como companhias aéreas e hotéis, que prosperam quando as pessoas podem e estão dispostas a estar em espaços públicos. O índice, indicador da preocupação com o vírus, subiu em comparação com as maiores bolsas de valores.
Nicolas Woloszko, economista da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), desenvolve um índice de PIBs semanais de 46 economias de renda média e alta, usando dados da atividade de pesquisa do Google sobre os mais diversos temas, de habitação e empregos até incerteza econômica. Adaptando seu índice, que tem sido um bom indicador dos números oficiais, estimamos que o PIB desses países esteja cerca de 2,5% abaixo de sua tendência antes da pandemia. É um pouco pior do que novembro, quando o PIB estava 1,6% abaixo da tendência, mas melhor do que há um ano, quando a produção estava quase 5% abaixo dela.
Alguns fatores explicam por que os piores temores em relação aos efeitos econômicos da variante Ômicron não se concretizaram até agora. A grande incerteza com a Ômicron diz respeito a se a parte ruim dela (maior transmissibilidade) supera a parte boa (menor agressividade) e se há um aumento perigoso no número de internações e mortes por covid-19. Por enquanto, porém, poucos governos, além do chinês, que ainda segue firme em sua estratégia para zero caso de covid-19, parecem acreditar que novas restrições radicais sejam necessárias para circulação das pessoas.
Gestão de risco
Uma medida quantitativa produzida pelo banco de investimentos UBS classifica as restrições de zero a dez e percebeu que a média da pontuação global subiu de 3 para 3,5 nas últimas semanas. Apenas um país rico, a Holanda, iniciou um lockdown para conter a Ômicron (embora tenha recebido flexibilizações em 26 de janeiro). O UBS também descobriu que a parcela dos destinos turísticos internacionais com restrições de entrada devido à covid-19, 31% no mundo, quase não mudou desde outubro.
Mais pessoas também parecem dispostas a correr riscos. O Goldman Sachs produz um índice de lockdown “eficaz”, que leva em consideração não apenas as determinações dos governos, mas também as escolhas das pessoas. Até agora, seu índice global diminuiu para quase o mesmo nível da onda de contaminações pela variante Delta no verão passado, apesar de haver de quatro a cinco vezes mais casos de infecções diárias.
Mesmo nos lugares onde a rápida propagação da covid-19 é uma novidade, as pessoas estão, em grande parte, levando a vida normalmente. Os casos em São Francisco (EUA) ficaram abaixo dos dois dígitos durante boa parte do outono. Embora a média de casos na cidade agora seja de aproximadamente 2 mil, academias e restaurantes permanecem movimentados.
Alta incidência
Os números de casos sugerem que cerca de 5% a 10% dos americanos atualmente estão infectados pela covid-19. Essa alta incidência de casos criou uma nova dificuldade que não existia com as variantes anteriores: a ausência generalizada de trabalhadores. De acordo com uma pesquisa realizada na virada do ano pelo Departamento do Censo dos Estados Unidos, 8,8 milhões de americanos não estavam trabalhando porque tinham sido infectados ou estavam cuidando de alguém com covid-19.
No fim de 2021, 138 jogadores da NBA não puderam entrar em quadra por motivos relacionados à covid-19, embora esse número tenha caído desde então. Em São Francisco, um número pequeno, porém crescente, de lojas, que já passava por dificuldades devido à escassez de mão de obra, está fechando mais cedo por causa da falta de funcionários.
Medir o efeito dessas ausências na produção é difícil, mas ele parece ser limitado – e de curta duração. Para começar, vários fatores talvez compensem o impacto delas. Alguns dos trabalhadores em isolamento poderão trabalhar de casa. Se um restaurante estiver fechado, os possíveis clientes dele podem ter ainda outras opções de lugares para ir. E, pelo menos por um tempo, os colegas de trabalho não infectados podem dar conta do trabalho dos ausentes. O estorvo total poderia, portanto, ser modesto. Pesquisa publicada no início deste mês pelo JP Morgan Chase, por exemplo, especulou que as ausências poderiam reduzir o PIB do Reino Unido em janeiro em 0,4%.
Além disso, com o número de casos caindo tanto no Reino Unido quanto em algumas cidades dos EUA, é provável que os efeitos econômicos da Ômicron desapareçam rapidamente. Pesquisas com perspectivas para o futuro também sugerem que as empresas não estão muito preocupadas. Há poucos sinais, por exemplo, de uma redução na confiança empresarial.
Apesar de um desempenho geral melhor do que o esperado, a recuperação econômica global dos lockdowns de 2020 é desigual. A diferença entre aqueles com melhores e piores desempenhos é maior do que nunca. À medida que a onda de contágios pela variante Ômicron na África do Sul diminuiu, o PIB aumentou e agora está de acordo com sua tendência antes da crise.
A economia do Reino Unido parece estar se recuperando com bastante rapidez. No entanto, outros lugares ainda estão passando por dificuldades, seja por lenta aplicação das doses de reforço, baixa imunização da população ou puro azar. De acordo com o indicador da OCDE, a economia espanhola ainda está cerca de 7% menor em relação à sua tendência anterior à pandemia. A Ômicron não fez muito para prejudicar a recuperação econômica global. Mas alguns lugares ainda parecem estar bem distantes da normalidade./TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA
Fonte: “Estadão”, 30/01/2022
Foto: Willy Kurniawan/Reuters