Anúncio envergonhado de corte de despesas reforça dúvidas sobre a orientação da política econômica do governo
Apesar dos esforços do governo em fazer um ajuste fiscal, ele parece cada vez mais envergonhado quando toca no assunto. O anúncio do detalhamento do corte feito esta semana não ajudou a demonstrar que o governo acredita de fato na necessidade de uma mudança de longo prazo na condução da política fiscal e continua colocando sobrepeso nas decisões que o Banco Central terá que tomar sobre o aumento da Selic.
Isso me faz lembrar de Herman Melville, que criou um dos personagens mais estranhos da literatura.
Quando demandado para algum trabalho, Bartleby respondia com a mesma frase: prefiro não fazê-lo. Mas, ao mesmo tempo, parecia ser o melhor dos trabalhadores, porque ficava de segunda a segunda no escritório.
O governo passa por uma síndrome de Bartleby e o ajuste fiscal é exemplo disso. Muito se falou dele nos últimos dois meses, com várias reuniões e muito suspense.
Um trabalho que parecia ser extenuante de segunda a segunda. Mas, indagado sobre fazer um ajuste fiscal forte, o recado ficou parecido com o personagem de Melville.
O anúncio de um corte de R$ 50 bilhões no Orçamento parece ainda uma carta de intenções, daquelas que escrevíamos à exaustão na década de 80 para o FMI, para nunca ser cumprida.
Os cortes redondos das despesas obrigatórias sugerem a ideia de “chute” mais do que análise criteriosa.
Os cortes nas despesas discricionárias deverão afetar investimentos, apesar de o governo negar. Cortes nos Ministérios do Turismo e dos Esportes me parecem um compasso de espera para remanejamento de verbas para a Autoridade Olímpica.
Muitos dos cortes foram, na verdade, diminuição na expectativa de crescimento dos gastos, mas, ainda assim, serão fortes expansões na comparação com 2010, como na pasta das Cidades.
O que era para ser um detalhamento continua deixando incerto o que será a política fiscal em 2011. Aquele velho controle na boca do caixa deverá dar o tom do ajuste.
Como um bom Bartleby, o governo prefere não fazer o que lhe é demandado e o resultado acabará sendo inflação acima da meta até o final do governo Dilma.
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2011
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