Nove candidatos disputam, em princípio, a presidência do Senado amanhã. Mas só se fala num. Ele mesmo: o sempiterno, incontornável e onipresente Renan Calheiros.
Mesmo enfrentando oposição interna no MDB da senadora Simone Tebet, de Mato Grosso do Sul, Renan deverá obter hoje à tarde a indicação do partido para disputar a presidência da Casa, cargo que já ocupou por duas vezes.
Alvo de ao menos uma dúzia de denúncias de corrupção, Renan foi o único dos símbolos da velha política a conquistar a reeleição no ano passado. O brasileiro já perdeu a conta de quantos inquéritos tramitam contra ele no Supremo Tribunal Federal (STF). Sua candidatura logrou a proeza de fazer reviver os protestos de rua contra a corrupção, que andavam adormecidos.
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Renan também é um sobrevivente da política, uma espécie de “Highlander” (alguns diriam “Freddy Kruger”), com um talento ímpar para aparecer em momentos cruciais da história brasileira. Do impeachment de Collor ao de Dilma, seu papel sempre foi decisivo nas principais decisões do Congresso.
Sua capacidade de articulação e de manobra é única. Quem há de esquecer a leitura esdrúxula da Constituição que manteve os direitos políticos de Dilma na sessão de impeachment? Ou a recusa em atender à decisão do ministro Marco Aurélio que determinava sua saída da presidência do Senado em 2016, quando se tornou réu no STF?
Em reportagem publicada ontem pelo jornal “Valor Econômico”, ele afirmou que amanhã chega ao Congresso um “novo Renan”. No lugar do aliado do PT e de Lula nas últimas eleições, entra em cena um “liberal” que se aproximou de Paulo Guedes e promete fazer de tudo para passar a reforma da Previdência no Senado.
Renan já cansou de enviar sinais de que, se eleito, quer trabalhar pelo governo Jair Bolsonaro. Chegou a defender o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, envolvido nas denúncias do ex-assessor Fabrício Queiroz. Mesmo assim, o núcleo do bolsonarismo rejeita a associação com aquele que era até ontem aliado de sua nêmese e um símbolo da corrupção que o capitão promete combater.
Política não é, como sabemos, o terreno em que costumam prevalecer os princípios ou a coerência. Bolsonaro já topou apoiar a reeleição de Rodrigo Maia à presidência da Câmara, por saber que ele representa uma garantia de que não haverá empecilho à agenda governista, pelo menos no plano econômico, o mais urgente.
Por que a resistência a Renan? Porque ele é considerado menos confiável, menos previsível, menos maleável. A verdade é que, hoje, o Planalto precisa mais de Renan que Renan do Planalto. Se derrotado, ele se converteria num foco de oposição, com poder e capacidade de articulação, na Casa em que o governo é mais frágil.
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Sempre é bom lembrar que, para impedir a aprovação de qualquer emenda constitucional (como a reforma da Previdência), basta o voto de 33 senadores. A oposição tem pelo menos 20. Não seria difícil a uma raposa como Renan reunir os 13 que faltam para atrapalhar o governo.
Dilma pagou um preço altíssimo por ter decidido enfrentar o deputado Eduardo Cunha na eleição para a presidência da Câmara em 2015. Perdeu a eleição e, dois anos depois, o próprio mandato, no impeachment iniciado por Cunha. Bolsonaro foi mais astuto ao não enfrentar Renan com tanto empenho. Mas não há garantia de que Renan não possa se transformar no Eduardo Cunha do atual governo.
Duas dúvidas cercam a votação de amanhã. Não se sabe quem presidirá a sessão. O governo aposta no senador Davi Alcolumbre, único remanescente da antiga mesa diretora, para desviar das manobras de Renan. Como Alcolumbre também concorre à presidência, aliados de Renan argumentam que não pode comandar a sessão.
Outra dúvida diz respeito à forma de votação. O STF autorizou o Senado a adotar o voto secreto. Se o método prevalecer, favorecerá Renan, pois é mais confortável a qualquer senador votar nele em segredo do que ser exposto à associação com um símbolo da corrupção e da velha política do “toma lá, dá cá”.
Qualquer que seja o método, qualquer que seja o resultado, uma coisa é certa: a situação do Planalto não será confortável no Senado. Se Renan vencer, não poderá, apesar de tudo o que tem dito, ser considerado um aliado confiável. Se perder, se tornará um opositor prestes a dar o bote assim que se apresentar a primeira ocasião. É por isso que, amanhã, todos os olhos estarão voltados para Renan.
Fonte: “G1”, 31/01/2019