486,2% ao ano! É o custo médio do rotativo do cartão de crédito no Brasil. É o recorde mundial, desonroso para o país, para o Sistema Financeiro Nacional e para um Banco Central que tem como missão “assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e um sistema financeiro sólido e eficiente”.
A base de sustentação da intermediação é tudo, menos sólida, tem um terço dos clientes pessoa física (59,7 milhões de CPFs) e mais da metade das empresas (4,7 milhões de CNPJs) com anotações de atrasos; e as taxas de algumas linhas, como a do rotativo, são provas irrefutáveis de que não é eficiente.
É também injusto, faz com que os bons pagadores paguem pelos maus, e mais censurável ainda, induz cidadãos e empresas a dinâmicas financeiras inconsequentes.
A situação é tão crítica que foi manchete de primeira página e o presidente da República anunciou que os juros no rotativo do cartão poderiam ser reduzidos a menos da metade. Resolve sem resolver; mesmo que as taxas do rotativo caiam o dobro do divulgado, para metade da metade, continuarão a ser absurdamente elevadas, várias vezes mais do que é cobrado em sistemas de outros países.
Para diminuir o custo do rotativo foram adotadas duas medidas. Uma é tornar o cadastro positivo obrigatório. É um remendo, 78,9% dos clientes do sistema já fazem parte do mesmo, portanto, não é um problema de abrangência. É fato que o cadastro positivo pode melhorar a qualidade do crédito, mas da forma que foi regulamentado no Brasil, não. Tem falhas.
A outra norma é tornar o parcelamento das dívidas no cartão obrigatório. A alternativa já existe, é opcional, e agora vai virar obrigatória. Com isso, o fluxo de recursos para os emissores de cartões aumentará no curto prazo, compensando inadimplências futuras no médio prazo, induzindo a reduzir as taxas do rotativo, mas pressionando as do parcelado. Está se trocando seis por meia dúzia.
Cabe destacar que as taxas do rotativo são apenas a ponta do iceberg, atualmente, os juros pagos para rolagem da dívida bancária superam os da pública em 60%, é uma sobrecarga para o setor não financeiro.
Nesse sentido, foi oportuna a ação do Banco Central em enfrentar o desafio e anunciar algumas ações, entre elas, a organização de um painel sobre spread (nome em português é margem). Tentativas parecidas já ocorreram no passado, mas os juros altos ganharam todas as partidas. Mas esta pode ser diferente.
Ilan Goldfajn, que mostrou um desempenho primoroso na gestão do regime de metas de inflação, tem os requisitos para conduzir o processo. Note-se que o problema não é de técnicos, alguns dos antecessores dele eram bons, mas de táticas. Para contribuir, seguem cinco recomendações para ajudar a vencer o jogo contra os juros altos.
A primeira é acrescentar à missão do Banco Central de assegurar um sistema, que além de ser sólido e eficiente, seja inclusivo – promovendo a saúde financeira de cidadãos e empresas, que são os objetivos finais da política econômica, e não apenas a dos bancos, que são meios, apenas.
A segunda é transparência, sem a qual não pode haver um bom diagnóstico. Tanto a nota à imprensa de Política Monetária e Operações de Crédito do SFN do Banco Central como a divulgação de informações pelas demais instituições têm espaços para aprimoramentos.
Um exemplo, a última nota informa que o custo anual do rotativo é 484,6%, do parcelado é 153,8% e a média do cartão é 112,4% – a média é menor que o mínimo, subestima-se o valor contabilizando os pagamentos à vista.
Outra ilustração é que a nota apresenta uma taxa média para PJ de 20,1% ao ano, que é um cálculo viesado considerado o estoque e divulgado pelo Banco Central; valor que sobe para 72,8% anuais, quando a conta é feita para as concessões, um número relevante, que não é mostrado pela autoridade monetária.
A terceira sugestão é que o Banco Central passe a ter quatro metas, a de inflação, e mais três adicionais. Uma seria a de eficiência da intermediação, de margem (spread) do crédito, e sua finalidade seria o de monitorar a redução do custo de recursos emprestados.
Haveria também uma de adimplência com o propósito de aferir a saúde financeira das empresas e cidadãos, e outra de inclusão, medindo a bancarização e o uso responsável do crédito. As metas permitiriam aos gestores do sistema e à sociedade acompanhar sua execução, que seriam de responsabilidade de três novos departamentos a serem criados no Banco Central.
Muita atenção tem sido dada à atuação da autoridade monetária na redução consistente da Selic, todavia, é uma taxa entre instituições bancárias e sua influência no custo do crédito é baixa e, em alguns casos, nula. Ilustrando o ponto, desde que foi elevada para 14,25% ao ano até a redução atual, as taxas do rotativo do cartão a do cheque especial para pessoa física e jurídica foram elevadas em mais de 70%.
Esses números também mostram que o problema não é de estática, como está sendo abordado. A dinâmica do crédito, suas externalidades, a interação entre todos os agentes e sua fragmentação têm um papel poderoso a ser levado em conta. A quarta recomendação é justamente essa, atuar sobre essas variáveis.
A última é acabar com as inversões da realidade, como a de transferir a responsabilidade dos problemas aos tomadores, ao Judiciário, aos custos e à conjuntura; quando a causa principal é a complacência dos gestores com a disfuncionalidade do sistema.
Fazendo um paralelo, por décadas o Chile ganhava do Brasil no rugby e não faltavam desculpas esfarrapadas por aqui para justificar as derrotas. Até que mudaram de atitude, começaram a fazer a coisa certa, há duas semanas a seleção brasileira ganhou da chilena e está tendo uma subida consistente no ranking mundial do esporte.
É possível fazer o mesmo com os juros. Outros países conseguem taxas em média dez vezes menores que as brasileiras. Dá para ganhar o jogo.
Fonte: “Valor econômico”, 17 de fevereiro de 2017.
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