Os mais de 20 anos de trabalho em coordenação de eventos e uma boa remuneração não foram suficientes para satisfazer Maria Beatriz Kern. A falta de capacitação profissional na área de construção civil e a insatisfação de mulheres que não conseguiam suprir as carências de suas famílias motivaram a gaúcha, de 48 anos, a dar vida a um projeto desafiador: a ONG Mulheres em Construção, em Porto Alegre.
A qualificação de mulheres de baixa renda na prática de pequenos reparos domésticos logo tomou maiores proporções. Com o apoio da iniciativa privada, o projeto de Maria Beatriz já profissionalizou gratuitamente mais de três mil mulheres. O interesse do público feminino é surpreendente. “Em 2006, para 25 vagas oferecidas para o curso de pintura predial, surgiram mais de 300 interessadas”, conta. No ano passado, outra surpresa: a prefeitura de Canoas, no Rio Grande do Sul, doou um terreno para o projeto, futura sede da primeira escola profissionalizante de construção civil para mulheres.
Leia a entrevista abaixo
Instituto Millenium – O que motivou a senhora a iniciar o projeto?
Maria Beatriz Kern – Ao longo da minha experiência de trabalho no Terceiro Setor, percebi a insatisfação das mulheres com projetos que não traziam resultados efetivos para a vida delas. Não traziam salários para atender suas carências e as de suas famílias. A minha vontade de entender mais sobre pequenos consertos domésticos uniu essa percepção ao fato de que não existia oferta de cursos dessa natureza exclusivos para mulheres. Além disso, busquei mostrar que a mulher tem a mesma capacidade de trabalhar na construção civil que o homem. Apesar de não possuir a mesma força física, as mulheres têm outras qualidades que lhe são peculiares e que são necessárias nas obras.
Imil – Por exemplo…
Bia Kern – Organização, comprometimento, dedicação e capricho.
Instituto Millenium – Quando você deu início ao projeto, sentiu algum tipo de preconceito ou estranheza, inclusive por parte das próprias mulheres?
Bia Kern – Muitas pessoas acharam uma ideia ousada demais, no entanto, quando iniciei a divulgação do projeto nas comunidades a adesão foi imediata. Até me surpreendi com a vontade delas de aprenderem o ofício. Em 2006, para 25 vagas oferecidas para o curso de pintura predial, surgiram mais de 300 interessadas. Depois veio o “Cimento de Batom”, oficina com objetivo de cadastrar mulheres dispostas a fazer cursos na área. Somente num dia reunimos 1.250 inscrições. Os homens estranharam um pouco, mas já estão mudando suas atitudes. Todos acabam ganhando. O canteiro de obra está mais humanizado e as arquitetas e engenheiras sentem mais segurança com a presença de mais mulheres nas construções.
Imil – Dados do IBGE mostram que a quantidade de pedreiras mulheres no país subiu 119% nos últimos cinco anos. Em 2007, eram 109 mil. Em julho de 2012, já passava de 239 mil. A que você atribui esse crescimento?
Bia Kern – Ao grande salto no número de mulheres chefes de família. Segundo o próprio IBGE, a proporção de famílias comandadas por mulheres cresceu mais do que quatro vezes nos últimos dez anos. Somada a isso, a falta de mão de obra fez com que as construtoras reavaliassem o conceito de ter apenas o sexo masculino nas obras.
Atitudes como a nossa de estímulo à capacitação feminina fez com que elas abandonassem os bicos, os trabalhos com menos remuneração e partir para um salário mais digno e mais bem remunerado. Trabalho pesado não as assusta. Grande parte delas já trabalhava na roça, recolhia sucata ou auxiliava em pequenas obras. Outras viviam de faxinas que também demanda esforço físico.
Imil – Em geral, a eficiência das mulheres em obras têm sido reconhecida?
Bia Kern – Sim. Elas são caprichosas e determinadas. Conquistam, cada vez mais, este espaço tradicionalmente masculino. Elas lutam pelos mesmos direitos e é natural que queiram exercer todo o leque de profissões. O reconhecimento dos empresários da construção civil é tanto que as profissionais empregadas por eles recebem porcentagem para indicar mais mulheres dispostas a entrar no ramo.
Imil – A vida dessas mulheres que aderiram ao projeto melhorou? Como viviam e como vivem hoje?
Bia Kern – São muito positivos os retornos das mulheres que fazem estes cursos, pois se formam e ingressam no mercado de trabalho. Se ontem a frase mais ouvida era: “Vendo almoço para comprar janta”, hoje, a realização dos sonhos toma outra dimensão. Houve crescimento da autonomia e conquista da independência financeira. Muitas mulheres recebiam o Bolsa Família e agora sustentam seus lares com mais dignidade. Essas mulheres valorizam as conquistas propiciadas pelo trabalho, lotam o carrinho de supermercado, estão integradas à comunidade, viajam com a família, são livres para investir e realizar sonhos.
Imil – E os benefícios materiais vêm acompanhados de autoconfiança…
Bia Kern – Cada participante é uma “Mulher em Construção”. É normal iniciarem cabisbaixas e tímidas; no final, é visível a transformação em resposta a todo tratamento multidisciplinar que lhes é apresentado. Formamos uma rede de apoio com parcerias públicas e privadas, fundamentais no processo. As mulheres têm se mostrado muito satisfeitas em serem protagonistas na história da construção.
Queremos saber mais sobre seu trabalho.
Tem um website sobre Mulheres em Construção? Quero saber mais.