Com poucas exceções, os países da zona do Euro compartilham uma longa história de indisciplina fiscal. A dívida pública média, durante o período de 1970 a 1995, mais do que duplicou, passando de aproximadamente 30% do PIB dos respectivos países para mais de 60%. Nos dez anos seguintes ela se reduziu um pouco, mas a partir da crise financeira global de 2008 a dívida pública média aumentou rapidamente, chegando a quase 100% em 2013. Embora todos os países da zona do Euro tivessem aumento nas suas dívidas públicas, em dois casos (Irlanda e Grécia) o aumento foi explosivo.
No que diz respeito à acumulação de dívida pública, é razoável que ela ocorra durante períodos de dificuldades econômicas, como guerras ou mesmo recessões, mas não é razoável que ocorra persistentemente ao longo do ciclo econômico. O problema é que a acumulação da dívida tem consequências negativas para o crescimento econômico, em particular quando a dívida se torna grande e sujeita a crises autorrealizáveis. Uma característica comum à maioria das crises financeiras é que elas demoram a chegar e têm como estopim um evento inesperado. Neste sentido, não é a existência de crises que é surpreendente, mas sim o momento preciso de suas ocorrências.
Considere o caso da Grécia. Em 2007, sua dívida pública representava mais de 100% do PIB e mesmo assim o prêmio de risco relativo a títulos do governo alemão era pequeno. Investidores não consideravam seriamente o risco imediato de calote pelo governo grego e, na ausência da crise financeira de 2008, tratava-se de um cenário plausível. Esta situação representa o que se chama equilíbrio bom. Entretanto, com o advento da crise financeira global, os investidores começaram a questionar cada vez mais este cenário, o que elevou o prêmio de risco e tornou a dívida grega cada vez mais instável, particularmente em função da queda subsequente do PIB. A renda per capita grega, que era equivalente a 41% da renda alemã em 1995, subiu para 71% em 2009 e caiu para 47% em 2014. A taxa de desemprego que era de 15,3%, no início de 2011, subiu para 26,2%, no final de 2014. O problema é que este rápido crescimento da renda per capita grega até 2009 foi fruto de uma bolha criada pela acumulação de dívida pública e financiada com endividamento externo, pois não teve contrapartida em crescimento de produtividade. De fato, de 1990 a 2008 a Grécia acumulou um “déficit” de produtividade em relação à Alemanha da ordem de 23%, pois enquanto na Alemanha houve ganhos de produtividade, na Grécia a produtividade permaneceu praticamente constante ao longo deste período, posteriormente caindo entre 2009 e 2014. Adicionalmente, o déficit público grego ficou em média 11,3% do PIB entre 2008 e 2013 (com auge de 15,7% em 2009), elevando a dívida pública rapidamente de um patamar de 100% do PIB 2006 para 175% em 2014. Esta rápida acumulação de dívida levou a economia grega a um equilíbrio ruim onde, da mesma forma que os prêmios de risco no equilíbrio bom eram muito baixos, eles se tornaram exageradamente elevados em 2010 – considerando ainda a descoberta de “contabilidade criativa” na mensuração dos déficits.
[su_quote]É tarefa fundamental das autoridades de política econômica evitar dívida pública muito elevada[/su_quote]
Como múltiplos equilíbrios estão presentes em mercados financeiros, é tarefa fundamental das autoridades de política econômica evitar dívida pública muito elevada, pois neste caso ela estará sujeita a crises autorrealizáveis. Portanto, as autoridades de política econômica devem buscar evitar a criação de dívidas elevadas e, no caso de elas existirem, devem buscar garantir que a crise não ocorra. Na União Monetária Europeia (UME), as autoridades de política econômica falharam nos dois casos.
Em 2009, no rastro da crise financeira global, a situação econômica da Grécia começou a deteriorar muito rapidamente, o que levou à sua crise autorrealizável. O governo grego começou a perder acesso a mercados e ficou rapidamente claro que não seria capaz de lidar sozinho com esta situação: ou receberia auxílio externo ou decretaria moratória. O auxílio externo, que ocorreu inicialmente por intermédio da Troika (a comissão tripartite constituída pelo FMI, Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia (CE)) e que foi base para socorros futuros, arruinou a credibilidade da cláusula de no-bailout do Tratado Europeu, que proíbe socorro fiscal por governos e pelo BCE, cláusula esta até então a única salvaguarda contra déficits excessivos na zona do Euro. Adicionalmente, uma moratória da dívida foi organizada em 2011 sob o eufemismo de Private Sector Involvement (PSI), que eliminou o equivalente a 75% do PIB de dívida pública. A deterioração econômica da Grécia iniciada em 2009 agravou-se pela adoção parcial das condicionalidades impostas pelo acordo de bailout: por um lado, a implantação de um regime de austeridade fiscal requer a redução do déficit público, o que tem um impacto negativo adicional sobre o PIB, já em queda; por outro lado, a não implantação de reformas estruturais (como melhoria do ambiente de negócios, redução de barreiras de entrada à atividade econômica, redução de burocracia, redução da complexidade tributária, remoção de restrições de crédito a pequenas e médias empresas etc.) impediu os ganhos de produtividade necessários para que a economia grega voltasse a crescer.
A despeito dos ajustes de contas públicas já efetuados, a Grécia ainda precisa de recorrentes socorros financeiros para evitar uma moratória e eventualmente evitar a sua saída da UME, mas seu governo parece ser incapaz de estabelecer os necessários compromissos de longo prazo. O problema é que as dificuldades econômicas da Grécia têm origem política. O atual partido no poder, Syriza (que significa Coalizão da Esquerda Radical), tem compromissos com seus eleitores que são incompatíveis com novos acordos com a Troika, pois são interpretados como erros políticos ou simples submissão a interesses estrangeiros. Adicionalmente, elevados gastos públicos e empreguismo no setor são considerados virtudes pelo eleitor do partido, enquanto que reformas pró-mercado são condenáveis. Não é por coincidência que boa parte da população grega apoia a saída da União Monetária. Entretanto, fica o lembrete: sair da UME para poder desvalorizar sua nova moeda apenas reduz os gastos correntes, permitindo que o país sobreviva à margem dos mercados financeiros. Mas ela não resolve os problemas de falta de crescimento de produtividade que comprometem a prosperidade do país.
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