*Por Olivia Carneiro
Uma das coisas que mais me fascina na economia é o universo da causalidade.
O crescimento econômico está bastante conectado com a redução da pobreza, que por sua vez está conectada com os gastos públicos, que afetam o crescimento econômico.
Com a pandemia, muito tem se falado sobre o aumento da pobreza no Brasil (e no mundo). Muitos países, incluindo o Brasil, optaram por adotar algum tipo de auxílio emergencial para subsidiar famílias mais prejudicadas com a paralisação da economia.
Em termos de redução de pobreza, ainda não temos dados oficiais para chegarmos a conclusões sólidas sobre o efeito real do programa. Contudo, a transformação do auxílio emergencial em um programa permanente levanta a questão sobre a relevância e efeito da nova proposta.
Um dado pouco comentado sobre a economia brasileira é que, atualmente, quanto mais investimos no Bolsa Família (furando o teto de gastos para tal), menos reduzimos a pobreza.
Então, para que serve esse novo Auxílio Brasil — significativamente mais caro que o Bolsa Família?
Um programa de referência mundial
No início, as primeiras versões do programa tiveram um êxito extraordinário na redução da extrema pobreza no país: fomos de 12% a 2% em quase duas décadas.
Não é à toa que o Bolsa Família se tornou o programa de transferência de renda referência no mundo todo, incluindo países desenvolvidos.
O problema é que, em 2014, estagnamos. Entramos em uma sequência infortuna e, nos últimos 6 anos, quanto mais dinheiro alocamos no Bolsa Família, menos conseguimos tirar as famílias da pobreza.
Alguns culpam a crise, mas a transferência de renda não é uma política pública trivial. É preciso conhecer o que mudou na prática para entender o que tem limitado nosso progresso socioeconômico.
Afinal, se o problema fosse a crise, a causa seria a falta de recursos; mas nós ampliamos o investimento em transferência de renda.
O Bolsa Família é conhecido mundialmente como uma das políticas públicas mais bem sucedidas na redução de pobreza, e esse sucesso se deve a um planejamento técnico, muito mais complexo do que simplesmente “dar dinheiro para pobre”.
Até os anos 1990, antes da criação das primeiras versões do programa, as famílias em vulnerabilidade eram como se fossem invisíveis aos olhos do Estado — não tínhamos nenhum tipo de cadastro que permitisse identificar essas famílias.
Com a criação do Cadastro Único, passamos a identificar não apenas quem eram as famílias vulneráveis, mas também quais eram suas necessidades. Isso permitiu que a gente direcionasse a transferência do dinheiro de maneira efetiva para auxiliar de fato, condicionando o benefício às necessidades específicas de cada família.
De maneira resumida, tínhamos alguns tipos de benefícios, que eram classificados entre:
– Básico, que provia acesso aos bens essenciais; e
– Variável, que era ajustado conforme necessidade (renda comprovada, número de crianças, entre outras.
Tendo em vista que o objetivo do programa é tirar as famílias da pobreza, ele precisa também oferecer o suporte e estrutura para que as famílias caminhem na direção de não depender do auxílio.
O condicionamento ao depósito do dinheiro é um tipo de suporte, como um programa de primeira infância (por exemplo: se os pais não vacinarem os filhos, não recebem o auxílio), programas de formação escolar (como a exigência de matrícula e frequência escolar) e deveria incluir também um programa de formação profissional (para direcionar os jovens ao mercado de trabalho).
Essa fórmula é efetiva. Se não tiver resultado imediato, tem resultado geracional — isto é, se os pais não mudarem de faixa de renda, os filhos mudarão.
O direcionamento correto da transferência de renda é fundamental para o sucesso do programa, porque é ele que define a saída do programa. A saída da pobreza.
Assistência com responsabilidade social
Em outras palavras, é somente com o estímulo bem direcionado que conseguimos fazer com que as famílias saiam dessa condição e não precisem mais do benefício. Não basta simplesmente dar mais dinheiro para as famílias, é preciso orientá-las para que as próximas gerações não dependam mais do programa.
E é esse o maior desafio que enfrentamos hoje. Estamos sacrificando bons investimentos com programas de transferência de renda sem responsabilidade social.
Hoje, além de ampliar o investimento no programa, ignoramos completamente os princípios de condicionamento das transferências e direcionamento para a independência. O benefício é dado conforme o número de crianças na casa, mesmo se as mães têm rendas completamente distintas.
É esse repasse de verba mal direcionado que nos custa a efetividade do programa, mesmo com o aumento do valor do auxílio. A solução não é gastar mais, e sim gastar melhor.
É preciso que, em conjunto com o repasse de verba, o governo siga um programa de responsabilidade social que promova, de fato, a redução da pobreza. Isto é, que essas famílias ganhem autonomia para não mais depender de auxílio do governo.
E não é por falta de bons programas que não estamos nesse caminho. Inclusive, os economistas Vinícius Botelho, Fernando Veloso e Marcos Mendes propuseram um robusto Programa de Responsabilidade Social.
Contudo, em ano eleitoral, talvez seja mais fácil fazer o repasse indiscriminado e sem compromisso com a redução da pobreza.
Fonte: Warren Maganize
Foto: Reprodução