“Não sei a quem interessa enfraquecer o Poder Legislativo no Brasil. Quando o Congresso foi desmoralizado e fechado, foi muito pior para a democracia”, adverte Lula a propósito dos escândalos no Senado. São compreensíveis o bom senso e a complacência de um presidente cuja popularidade cresce na exata medida em que se degenera a imagem da classe política. Essa é a essência do fenômeno Lula. Na imensa escuridão da coisa pública, brilha por contraste esse homem do povo, tão alienado e impotente quanto qualquer outro trabalhador brasileiro ante as práticas obscuras das criaturas do pântano. Se não tem as luzes para trilhar o caminho da reforma política, Lula tem para nossa sorte uma extraordinária intuição. Resistiu ao imperativo bolivariano de simplesmente soprar o apagão do Congresso.
Ora, a ninguém interessa enfraquecer e desmoralizar os senadores. É surpreendente sua própria falta de iniciativa, pois, afinal, “a crise não é minha, é do Senado”, informa-nos José Sarney. A cultura do privilégio, o empreguismo, o nepotismo, a falta de transparência nos atos e gastos do Senado derrubam vertiginosamente sua credibilidade, mas o ex-presidente explica a displicência ética e a apatia administrativa ante os sucessivos escândalos: “Julguei ser eleito para presidir politicamente a Casa, não para limpar lixeiras em sua cozinha.” Pois então presida politicamente a Casa, senador. Surpreenda-nos com a iniciativa da reforma política, um desafio à altura de um ex-presidente da República que se dispôs a voltar ao Congresso. Poderá ter a ajuda de outro senador interessado em reescrever sua biografia após o escândalo do mensalão: o ex-presidente Fernando Collor.
Não acredite que são naturais os escândalos, sem fundamentos na hipertrofia do Estado, na centralização administrativa, na estrutura partidária e na legislação eleitoral, como acreditou um dia que a inflação fosse também dissociada dos fundamentos fiscais, monetários e cambiais. Os economistas aprenderam com os erros, em uma longa série de tentativas de estabilização. Já os políticos ficaram para trás. A sequência de escândalos ainda não trouxe maior transparência e eficácia em suas atividades, desde o financiamento das campanhas até a obtenção de maiorias parlamentares.
Para Tocqueville, a revolução de 1789 dá continuidade a tendências manifestas já no Antigo Regime. E o que faz de Robespierre, o radical jacobino, uma figura imortal é que “a Revolução fala através dele seu discurso mais puro”, registra François Furet, em “Pensando a Revolução Francesa” (1983).
Presidente da Arena, presidente do PDS no Antigo Regime, presidente da República por uma fatalidade na redemocratização, três vezes presidente do Senado, José Sarney, sem a reforma política, pode ir para a História como o representante mais puro do Antigo Regime em uma transição ainda incompleta.
(O Globo, 29/06/2009)
Excelente. Apenas lembrando a espetacular e inusitada frase de Fernando Lyra, referindo-se ao presidente, no instante mesmo em que era seu Ministro da Justiça : “O presidente Sarney é a vanguarda do atraso”.