Na França, foram necessários 115 anos para que a proporção de pessoas com 65 anos ou mais na população dobrasse de 7% para 14%. No Brasil, isso ocorrerá em apenas 21 anos, entre 2011 e 2032. Esse é apenas um dos indicadores da vertiginosa transição demográfica por que o país está passando. Ainda que pouco visível no nosso dia a dia, essa transição terá impactos profundos sobre nossa sociedade e a economia. Se não nos prepararmos para ela, quando dermos por conta pode ser muito tarde para uma adaptação suave.
[su_quote]Nossa população deverá crescer até 2035, quando atingirá o pico de 214 milhões de pessoas, caindo depois para 206 milhões de pessoas em 2050[/su_quote]
A análise mais completa que conheço sobre as consequências da nossa transição demográfica está no livro organizado por Ana Amélia Camarano e publicado pelo IPEA, com o título “Novo Regime Demográfico: uma nova relação entre população e desenvolvimento”. Em seus 21 capítulos, mais uma introdução e um texto de conclusões, o livro lida com temas tão diversos como crescimento econômico, criminalidade, educação, saúde, gastos públicos, meio ambiente, mercado de trabalho, e desigualdade de renda, entre outros.
Permeando o livro está a ideia de que “a maior preocupação com as questões populacionais mudou de foco, deixou de ser o seu tamanho e passou a ser a estrutura etária, ou seja, o envelhecimento”. Esse é o resultado da combinação de uma taxa de fecundidade em queda – de 6,2 filhos por mulher em 1950 para 1,7 em 2012, e ainda caindo –, com o fato de as pessoas na média estarem vivendo cada vez mais.
Os números são impressionantes. Nossa população deverá crescer até 2035, quando atingirá o pico de 214 milhões de pessoas, caindo depois para 206 milhões de pessoas em 2050. Parecem datas distantes, mas 2035 está mais perto de 2015 do que o lançamento do Plano Real, em 1994. Quando lá chegarmos, 22% da população terão 60 anos ou mais, contra 12% atualmente. Em 2050, essa proporção atingirá 33%.
Esse processo terá impactos positivos e negativos. Obviamente, as pessoas viverem mais e melhor é em si uma boa noticia. Mas, além disso, o livro mostra que a transição demográfica deve reduzir a criminalidade e a pressão sobre o meio ambiente, além de ajudar a melhorar o padrão educacional da população brasileira.
Por outro lado, os autores concluem que, mantidas as regras atuais, a transição demográfica em curso reduzirá nosso potencial de crescimento, aumentará a desigualdade, e elevará os gastos públicos com saúde, previdência e assistência a idosos.
Muito provavelmente, no horizonte com que o livro trabalha, as regras de aposentadoria terão de ser alteradas, com a instituição de uma idade mínima crescente no tempo. Mas isso pode ser insuficiente, pois alterar a composição do gasto não é assim tão fácil: basta ver que o país planeja expandir o gasto com educação básica, quando a população de 0 a 19 anos deve cair de 61 milhões em 2015 para 45 milhões em 2035 e 28 milhões em 2050. O Estado estará cheio de professores quando mais precisar contratar médicos e enfermeiros!
Três temas não cobertos no livro, mas que caberiam, no meu entender, em uma nova edição são padrão de urbanização, migração e política. O tema da urbanização aparece indiretamente em alguns capítulos, mas senti falta de uma análise de como o superenvelhecimento populacional exigirá novas soluções urbanísticas e possivelmente meios de transporte urbano mais amigáveis a pessoas com dificuldades de locomoção. A estrutura familiar também deverá mudar, influenciando o padrão residencial.
A questão da migração transcende o Brasil, ainda que também possa ter relevância inter-regional dentro do país. Ela reflete o fato de que diferentes países vão ter transições demográficas com intensidade e dinâmica distintas, o que fará com que durante algumas décadas a população em idade ativa se concentre em certos países e regiões, como a Índia, a África e a América do Sul excluindo o Brasil. Isso significa que ou a produção será transferida para esses países, ou haverá um intenso fluxo migratório, no qual o Brasil pode se tornar um país receptor.
Por fim, o superenvelhecimento terá impactos relevantes sobre as opções políticas. É provável que nosso eleitorado se torne mais conservador, mas também menos favorável a medidas que reduzam os gastos públicos, o que pode dificultar o ajuste fiscal que o livro torna tão claro ser necessário. Como conciliar isso?
De forma nenhuma, porém, essas inquietações diminuem a grande contribuição que o livro representa à compreensão dos impactos da nossa transição demográfica.
Fonte: Correio Braziliense, 26/08/2015.
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