O fortalecimento da cidadania digital e a crescente desconfiança do eleitor com a atuação dos agentes públicos tornam urgente o aprimoramento de ferramentas que priorizam a transparência em todas as esferas do poder. Os mais recentes artigos publicados no Millenium Fiscaliza trataram da importância do desenvolvimento da cultura da transparência, um avanço civilizatório que viabilize não apenas a fiscalização constante da sociedade, mas também auxilie o processo de tomada de decisões por parte de líderes, congressistas, servidores, chefes do Executivo, Judiciário e Legislativo.
Como ressalta a especialista Lilianne Borges, em artigo publicado no site do Instituto Millenium, “quanto mais transparência se conquista, mais transparência se exige”. É esta lógica que torna imperiosa a expansão do acesso popular aos dados orçamentários dos municípios, estados e União. Em tempos onde tudo está exposto, nas redes sociais e fora delas, não basta conhecer as cifras do dinheiro público, mas também seus destinos mais estreitos, minuciosos, onde possam residir todo tipo de ineficiência e descaso com o que é arrecadado através de impostos.
A jornada em defesa da transparência passa também pela qualidade informacional dos portais oficiais. A governança digital, fortalecida pelo decreto nº 8.638 de 15 de janeiro de 2016, deve ser entendida como uma das principais aliadas da participação popular na vida política. A democracia só tem a ganhar quando dados abertos, claros, disponíveis de forma intuitiva e digital, permitem o exercício da cidadania e da conscientização. Quanto mais transparência, mais aberta estará a gestão a diferentes grupos e classes sociais e mais pessoas poderão compreender melhor questões importantes para o país, como é o caso da reforma da Previdência.
É verdade que os últimos anos trouxeram avanços em prol da transparência no país. A Lei de Acesso à Informação fortaleceu o compromisso do Estado com os cidadãos, e ferramentas como o Portal da Transparência da Controladoria Geral da União e o Painel de Custeio Administrativo levaram luz a dados que antes estavam restritos aos porões do poder público. Mais favorável à fiscalização, o ambiente permitiu que entidades da sociedade civil se organizassem para cobrar respostas e investigar melhor o Estado e suas instituições, mas o esforço está longe de ser o suficiente.
O artigo “A opacidade dos portais de transparência“, publicado no Millenium Fiscaliza, apontou para problemas evidentes dos sites oficiais criados para abrigar informações claras e objetivas sobre a aplicação do dinheiro dos contribuintes. É importante destacar, porém, que além de problemas técnicos e falta de atualização, a disponibilização online de dados ainda é muito limitada em todos os portais. Faltam informações estabelecidas de forma intuitiva e hierarquizada, onde estejam detalhados gastos de autoridades, por exemplo, e de seus assessores.
No site da Câmara Federal, é possível saber o número de secretários parlamentares ativos e inativos de cada deputado e suas remunerações, mas faltam relatórios sobre suas atividades e gastos que possibilitem uma avaliação criteriosa sobre a real necessidade do número de contratações. Em quais projetos trabalham? Quais são as funções desempenhadas? Possuem formação profissional devida para as atividades desenvolvidas? Pior: esses funcionários realmente existem? A falha se repete em todos os órgão públicos: faltam ao Estado práticas da governança do setor privado. Por que não é possível, nos próprios portais de transparência, comparar resultados de servidores de diferentes entes federativos? Mesmo com realidades distintas, é certo que o cruzamento de dados entre estados forneceria informações preciosas sobre a máquina pública.
No Painel de Custeio Administrativo, como mencionado em artigo anterior, é possível verificar que, em 2018, as Relações Exteriores (fundações públicas e Ministérios) gastaram R$ 25.344.420 com passagens e deslocamentos. Não estão disponíveis, no entanto, o detalhamento do valor de bilhetes aéreos, usuários, destinos, valores gastos com refeições etc. É preciso entender que, quando o assunto é dinheiro público, nenhum dado é supérfluo – pelo contrário, são eles que fortalecem a opinião pública e munem o cidadão com o verdadeiro direito à liberdade de escolha de seus representantes. Não basta os dados estarem disponíveis à solicitação burocrática através de formulários, eles precisam estar na tela do computador de todos os brasileiros.
A cobrança por transparência não deve ser tímida. Somente ela permite a correção de erros ou a pronta indignação da sociedade civil, como foi o caso da reação contrária à recente licitação do Supremo Tribunal Federal para a compra de refeições que incluíam uísque 18 anos, vinhos premiados e frutos do mar como lagosta e camarões. Um escárnio. São casos como esses que reforçam o desenvolvimento de novas frentes e novas ferramentas para o combate à corrupção e privilégios. Mais do que cobrar, é preciso se engajar na causa da transparência, apoiando iniciativas que, aos poucos, vão tirar o Brasil do escuro da ineficiência.