Levantamento feito pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ebape) e pelo Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio revela que dos 453 pedidos de informação feitos ao poder público, com base na Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527 de 2011), 315 foram respondidos e o restante foi ignorado. O resultado representa uma taxa de resposta de 69%.
Segundo o advogado Rafael Velasco, coordenador do Programa de Transparência Pública da Ebape e FGV Direito Rio, embora o comprometimento com a transparência esteja avançando no país, ainda depende de empenho político. “A transparência ainda não está totalmente na pauta do dia. É preciso que as lideranças políticas percebam que a Lei de Acesso à Informação é um instrumento muito necessário e benéfico para o país”, diz ele.
Divulgada em novembro, a pesquisa foi realizada entre março e maio deste ano em oito níveis de governo – estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, incluindo suas capitais, além do Distrito Federal e da União. O levantamento abrangeu os três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.
No recorte por estado, considerando os três poderes e todos os órgãos envolvidos, o Rio de Janeiro obteve a taxa de resposta mais baixa: dos 65 pedidos de informação encaminhados, 25 (38%) foram atendidos. Depois do Rio, vem Minas Gerais, com 74% de taxa de resposta – dos 63 pedidos enviados, 47 foram respondidos; São Paulo, com 80% – 52 respostas para 65 solicitações; e o DF, com 81% de taxa de resposta – dos 59 pedidos, 48 foram atendidos.
Comparando com as demais capitais, o município do Rio teve o pior desempenho. Dos 29 pedidos enviados, apenas oito (27%) tiveram resposta. Em relação ao município de São Paulo, de 40 perguntas, 32 (80%) foram respondidas. No caso de Belo Horizonte, de 36 perguntas, 23 (63%) tiveram resposta.
Na avaliação de resultados por poder, o Judiciário teve o melhor desempenho. Dos 49 pedidos de informação, 36 (73%) foram respondidos. O executivo vem em segundo lugar, com taxa de resposta de 69%, equivalente a 165 atendimentos a 239 pedidos de informação. Os Ministérios Públicos dos estados e os Tribunais de Contas responderam 33 (67%) dos 49 questionamentos. O Legislativo ficou em último no ranking, com 57 respostas (65%) para 87 pedidos de informação. “Os resultados mostram ainda grandes variações no que diz respeito à implementação de políticas que favoreçam a transparência pública. Encontramos casos positivos. Mas tivemos casos que mostram um cenário ainda muito ruim. Em alguns lugares a implementação da lei está muito aquém do desejado”, diz Velasco. Leia a entrevista:
Instituto Millenium: Qual é a sua avaliação sobre a Lei de Acesso à Informação?
Rafael Velasco: É um instrumento muito importante para a profissionalização da administração pública. Gera uma demanda por eficiência que é boa para a sociedade e também para o Estado, na medida em que passa a contar com um incentivo para se profissionalizar. A lei ainda permite à sociedade maior controle do Estado. O Brasil foi o 91º país do mundo a adotar uma lei de acesso à informação, algo absolutamente básico e importante.
Instituto Millenium: Desde que entrou em vigor, a lei está sendo cumprida?
Velasco: A lei foi criada em 2011 e entrou em vigor em 2012. Todos os entes federativos, municípios e estados, além da União, estão sujeitos a ela. Então, é uma pergunta muito ampla. É preciso pensar em que nível a lei está sendo cumprida. Em qual estado? Temos casos positivos de cumprimento à lei e também exemplos de estados e órgãos que não cumprem a lei. O cenário ainda é muito dividido.
Instituto Millenium: Mas os bons e maus exemplos se espalham por todas as esferas?
Velasco: Sim. A lei estabelece dois regimes de transparência: transparência ativa, que se refere às informações que todo órgão público deve disponibilizar em seu site, e outra passiva [disponibilização de informações públicas em atendimento a demandas específicas de uma pessoa física ou jurídica]. Avaliamos a transparência passiva. O estudo faz uma avaliação sobre as respostas obtidas. Não fizemos uma análise de transparência ativa, ou seja, não analisamos os sites dos diferentes órgãos.
Instituto Millenium: E quais foram os resultados?
Velasco: Os resultados mostram ainda grandes variações no que diz respeito à implementação de políticas que favoreçam a transparência pública. Encontramos casos positivos. O Governo Federal tem adotado o papel de incentivo à transparência por meio da Controladoria Geral da União e obteve bons resultados, apesar de ainda existirem desafios a serem enfrentados. Encontramos um resultado muito ruim em relação ao Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro, que exige a presença do cidadão para fazer o pedido, contrariando as melhores práticas de transparência e a Lei 12.527, que estabelece que as solicitações possam ser enviadas por qualquer meio, inclusive digital, o mais prático. Não é nem um pouco razoável exigir que o cidadão se desloque até a repartição pública para realizar o pedido.
Instituto Millenium: E como o senhor avalia a qualidade das respostas que obteve?
Velasco: Temos duas metas para avaliar se o órgão está respondendo bem ou não. Primeiro, avaliamos a taxa de respostas enviadas, ou seja, quantos pedidos de fato foram respondidos. Em relação a alguns poderes executivos identificamos taxas de respostas muito baixas, ou seja, nem ao menos responderam ao pedido de informação, inviabilizando uma análise da qualidade do conteúdo. A segunda análise é sobre a informação em si, se a resposta contém o solicitado. O Estado do Rio de Janeiro, um caso emblemático, teve taxa de resposta muito baixa e, quando respondeu, respondeu mal. A qualidade das respostas deixava muito a desejar.
No geral, os resultados foram razoáveis e indicam que a administração pública está dando passos no sentido de conferir maior transparência às suas práticas administrativas. Mas tivemos casos que mostram um cenário ainda muito ruim. Em alguns lugares a implementação da lei está muito aquém do desejado. Identificamos também um padrão de práticas consideradas ruins. Por exemplo, é absolutamente fundamental que nenhum órgão público brasileiro exija que o pedido seja feito de forma presencial. Isso gera um obstáculo para o cidadão, inviabilizando o acesso à informação.
Quanto ao Poder Judiciário, ele permanece utilizando os sites das ouvidorias como meio legítimo de pedido de acesso à informação e isso, embora não viole a lei, não está de acordo com as melhores práticas.
Instituto Millenium: Quais as principais dificuldades do poder público em cumprir a lei?
Velasco: Um dos problemas que dificultam a implementação de boas práticas de transparência é a capacidade burocrática reduzida de alguns órgãos públicos. Isso é um problema do Brasil de um modo geral. Questões como limitações orçamentárias, limitações de qualificação de pessoal etc.
Outro lado muito importante se refere ao comprometimento das lideranças dos órgãos públicos com a ideia da transparência. Um exemplo claro é o México, referência mundial em termos de acesso à informação e transparência. Lá houve um grande comprometimento nacional em fomentar a transparência. Eles viram que o cenário de total obscuridade dos órgãos públicos era muito deletério ao desenvolvimento do país. No Brasil, talvez ainda estejamos um passo atrás em relação ao comprometimento. A transparência ainda não está totalmente na pauta do dia. É preciso que as lideranças políticas percebam que a lei de acesso à informação é um instrumento muito necessário e benéfico para o país.
Instituto Millenium: As informações não são passadas de forma clara e que a pessoa compreenda?
Velasco: Não é isso. A pessoa solicita uma coisa muito específica e o órgão envia uma resposta genérica. Por exemplo, você pede uma lista de todos os contratos celebrados com dispensa de licitação e o órgão, em vez de enviar a relação, envia uma resposta genérica, dizendo que respeita a lei de licitações e os casos de dispensa de licitação foram feitos dentro da lei.
Instituto Millenium: Uma das polêmicas relacionadas à lei diz respeito à divulgação do salário dos servidores públicos. Desde que a lei entrou em vigor, o país já avançou em relação a isso?
Velasco: Existe um campo de dúvida nessa área. Servidores públicos estão sujeitos ao regime de privacidade, mas menos rígidos do que outros cidadãos. Quando a gente fala de funcionários que recebem recursos que decorrem da contribuição de impostos, neste caso, é justificável que o direito à privacidade seja flexibilizado em prol do interesse público. É importante para o país que se tenha total transparência em relação à remuneração dos servidores públicos e, neste sentido, a lei de acesso à informação é um instrumento que fortalece a cultura da transparência.
Em relação ao Poder Judiciário, foram avaliados 40 tribunais brasileiros, incluindo tribunais de Justiça e tribunais superiores como Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, além de tribunais regionais federais. Verificamos que isso [disponibilizar informação sobre a remuneração dos servidores] já é uma prática recorrente na maioria dos tribunais, demonstrando um compromisso do Judiciário com a transparência.
Instituto Millenium: O comprometimento com a transparência está crescendo?
Velasco: Sim, principalmente se considerarmos que a lei é muito recente e chegou para mudar uma cultura que vigora na administração pública brasileira há muitas décadas. A gente não pode ser utópico de imaginar que a lei vai gerar efeitos imediatos. Mas a transparência tem evoluído no Brasil. Neste sentido, é muito importante o interesse da academia, de jornalistas, de organizações não governamentais e do próprio cidadão em obter informação para forçar a administração pública a aprimorar constantemente suas políticas de transparência.
Instituto Millenium: Mas é possível dizer que a transparência já atingiu um nível satisfatório?
Velasco: Em alguns lugares, a transparência já atingiu um nível satisfatório, apesar de sempre ser possível melhorar. Em alguns estados e municípios, a lei vem sendo cumprida de forma muito boa. No Governo Federal, evoluiu muito e caminha a passos largos.
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