Não há surpresas quanto às dificuldades do governo interino de Michel Temer, por inúmeras razões, como as incertezas próprias de uma interinidade, a debilidade de uma representação popular seriamente afetada pela crise de valores, a imprevisibilidade dos fatos que a apuração da Operação Lava-Jato expõe a cada momento, as reações agressivas e torpes dos que foram apeados do poder pelo ainda inconcluso processo de impeachment.
Às dificuldades se contrapõem fatos alvissareiros, especialmente na área econômica. A equipe escolhida para gerir essa área é de altíssima qualificação. O realismo e a transparência das metas fiscais militam em favor do indispensável restabelecimento dos padrões de confiança e reciprocidade. Impressiona bem o compromisso com a superação da gravíssima crise fiscal.
Obviamente, ainda estamos longe de algum resultado concreto, o que de rigor seria impossível no curto prazo de uma interinidade.
A revisão do resultado fiscal deste exercício foi extremamente prudente, tanto quanto a opção por estruturar um plano para debelar a crise fiscal, sem, de pronto, cogitar do aumento de tributos.
As principais medidas já anunciadas (devolução de empréstimos concedidos pelo Tesouro ao BNDES e a fixação de um teto para crescimento do gasto público) são interessantes, embora demandem uma acurada e relativamente complexa elaboração.
A devolução dos empréstimos requer cuidados para que não seja tida como ofensiva à Lei de Responsabilidade Fiscal. Um caminho, talvez, seria a instituição, por lei, de regras para aportes de recursos do Tesouro às instituições financeiras oficiais, de modo a facultar a devolução de recursos não utilizados, por aquelas instituições, nas finalidades, originalmente, previstas.
A fixação de um teto para o gasto público é tese, recorrentemente, suscitada por especialistas em finanças públicas e, invariavelmente, abandonada por dificuldades políticas e operacionais.
Fixar o teto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)? Ao encaminhar essa lei, no mês de abril, o que se dispõe, entretanto, é uma mera estimativa da inflação anual corrente.
Se a estimativa, como é provável, não se confirmar, o que fazer? Se a inflação for menor, haverá espaço para aumento dos gastos, fazendo a festa do despesismo, em direção contrária à pretensão de prover o equilíbrio fiscal; caso contrário, será necessário um duro contingenciamento de gastos, o que equivale, de fato, a um corte definitivo no orçamento.
Admitamos, sob outra perspectiva, que a inflação esteja em trajetória descendente. O teto, que teve por base a inflação do ano anterior, implicará aumento real das despesas no exercício seguinte.
Uma alternativa seria tomar, como teto, a expectativa de inflação futura, fixada pelo Banco Central, o que superaria, também, as já referidas restrições operacionais.
Uma sugestão, para isso, seria apresentar uma PEC, introduzindo, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), uma regra, de caráter programático e temporário, para todos os entes federativos, conferindo à LDO a obrigação de limitar o crescimento dos gastos em conformidade com a expectativa de inflação, visando restabelecer o equilíbrio fiscal.
Ainda no âmbito do gasto público, é indispensável repactuar as dívidas dos Estados e Municípios com a União, afastada a esdrúxula tese dos juros simples, e, simultaneamente, cuidar da guerra fiscal do ICMS, disciplinando a competição fiscal lícita.
Para isso, deveriam ser estabelecidas regras relativas à concessão e fruição de incentivos, sanções efetivas para os entes federativos, agentes públicos e entes federativos que descumpram as normas estabelecidas, e, por fim, remissão do imposto, em tese devido, por conta da guerra fiscal.
Essa iniciativa é imprescindível para retomar investimentos privados e mitigar a crise fiscal dos Estados.
A competição fiscal lícita deve ser instituída por lei complementar, como prevê a Constituição, abandonando-se a ideia de cuidar da matéria por meio de Resolução do Senado, o que, de resto, é inviável, por força dos custos fiscais envolvidos, e inconstitucional, por vício formal.
Essa é apenas uma pequena amostra do rol de dificuldades, na área econômica, do governo interino.
O que esperar, contudo, de uma travessia tormentosa, sujeita aos infortúnios da maior crise que já conheceu este País, qualquer que seja a perspectiva de análise?
Fonte: O Globo, 02/06/2016.
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