Suas endiabradas traquinagens, muitas das quais impublicáveis, fizeram do travesso Juquinha o protagonista-mor de piadas de botequim. Mas o simples acréscimo do epíteto “da Valec” faz corar nosso assunto habitual de mesas de bar como se fosse um inocente coroinha carola. A Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S. A. está longe de ser um chiste: no ano passado, a empresa foi aquinhoada no Orçamento da União com R$ 5,1 bilhões, menos de um terço dos mais de R$ 17 bilhões de que ora dispõe para construção ou concessão de obras ferroviárias. A joia mais cara da coroa é a Ferrovia Norte-Sul, que ligará a Amazônia ao Sudeste por trilhos, com mais de 3 mil quilômetros de extensão. Conforme a “IstoÉ”, o Ministério Público, baseado em perícia da Polícia Federal, acusou Juquinha e outros diretores da estatal e empreiteiros de terem desviado R$ 71 milhões num trecho de 105 quilômetros.
Jucazinho não tem um apelido tão popular como o de Juquinha, mas esse simpático substantivo próprio no diminutivo lhe garantiu sombra e água fresca ao longo dos governos federais recentes. Juquinha não mais usufrui as vantagens de pertencer à Corte e Jucazinho também caiu em desgraça: foi demitido da direção da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), acusado de ter autorizado – sem permissão e com verba que não poderia ser usada para o fim a que foi destinado – um pagamento para suposta empresa de fachada. Oscar Jucá Neto foi derrubado após denúncia de outra revista semanal, a Veja, sucumbindo, enfim, a pesado bombardeio com fogo concentrado em sua cadeira partindo de canhões poderosos da República. A começar do próprio chefe, o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, aliado notório do chefão do PMDB nacional, o vice-presidente Michel Temer. Confirmando a lógica implacável do governo Dilma, rola pelo menos uma cabeça coroada depois de uma denúncia – a conta no Ministério dos Transportes chega a 27.
Guindado do anonimato pelo ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto (PMDB), Juquinha tem origem política em Goiás e reclama que seu envolvimento no escândalo lhe frustrou o sonho de governar ou ser senador por seu Estado de origem. Não é uma gracinha?
Jucazinho, ao contrário, não tem carreira nem pretensões políticas. Irmão mais novo de Romero Jucá – pernambucano que fez fortuna em Roraima, elegendo-se para o Senado e se tornando figurão de administrações federais teoricamente adversárias, de Fernando Henrique e Lula da Silva -, sempre atuou sob a vasta e confortável sombra fraterna. Não teve de fazer como Juquinha, forçado a mudar de legenda para ficar no comando da locomotiva burocrática: do PMDB, pelo qual se elegeu deputado federal em Goiás em 1995, para o PSDB de Henrique Meirelles e para o PL, que virou PR, tornando-se correligionário de Alfredo Nascimento e de toda a cúpula do Ministério dos Transportes. Para manter a “boquinha”, Jucazinho só continuou sendo irmão do “Jucazão”.
Mas tantas Jucazinho fez que nem o extraordinário talento de prestidigitador do mano mais velho logrou evitar sua degola. Só que o moço tombou de metralhadora em punho e atirando nas páginas da mesma Veja que o desgraçou. À revista que o delatou ele denunciou a existência de um esquema de corrupção e desvio de recursos na Conab ainda maior que o do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). À cabeça do esquema estaria, segundo garantiu, o próprio ministro Wagner Rossi, do PMDB do inimigo. Como sói ocorrer em denúncias do gênero, a verrina não foi acompanhada de uma provinha qualquer. Nada, nada, nada! Diante disso, o ministro veio a público e acusou o irmão do líder de querer transformar a própria queda em caso político, “apenas uma retaliação”.
É no que dá o Brasil estar entregue a um regime de governo híbrido tocado na base da “governabilidade”: isso implica o loteamento de cargos importantes da administração federal (até mesmo Ministérios) entre os grupos que controlam os partidos de apoio ao governo, que os coopta com cargos para votarem a favor das próprias pretensões. Juquinha e Jucazinho protagonizam a tragédia da corrupção tolerada. No primeiro caso, a Procuradoria da República, cuja função é zelar pelo bom uso do patrimônio público, valeu-se de laudo da Polícia Federal, subordinada ao Ministério da Justiça, para acusar o burocrata que comandou o destino de um enorme quinhão da poupança nacional de a estar dilapidando – acusação que ele tratou com desdém: “No Brasil é um remando pra frente e dez remando pra trás”.
Ao se defender da delação do ex-subordinado, o ministro da Agricultura apelou para a lógica aristotélica elementar: se na Conab só “tem bandido”, conforme disse o irmão do líder do governo, por que ele ficou lá um ano e pouco e então só tinha elogios a fazer? Como escreveria Nelson Rodrigues, “batata!”
Restam, contudo, outras dúvidas a levantar sobre Juquinha, Jucazinho e todos os demitidos do Ministério dos Transportes. Que condições tem Alfredo Nascimento de reassumir sua cadeira no Senado se ele teve de abandonar a pasta acusado de participar de fraudes? Se Romero Jucá se “solidarizou” com Wagner Rossi contra a investida de Jucazinho, por que pediu ao ministro que mantivesse o maninho no cargo de assessor? Que punição administrativa mais rigorosa espera os demitidos por corrupção? Que ações moverá a presidente Dilma contra funcionários que traíram sua confiança?
O PR, dizem, está em pé de guerra contra Dilma, mas a guerra é congelada: não se ouviu um único disparo verbal. E o PMDB garante que toda essa confusão em torno da Conab não passa de tentativa para desalojar “Jucazão” da liderança do governo no Senado, pretendida pelo PT. Que coisa, hein?! E o cidadão, que, nesta democracia, só tem o direito de pagar e o dever de calar? Ora, o cidadão que se dane!
Fonte: O Estado de S. Paulo, 03/07/2011
Já que corrupção é imanente a natureza humana, que tal estabelecer um critério para definir a “corrupção tolerada” e só mandar, para atrás das grades aquele que tiver ultrapassado esse nivel?
Seria o mesmo papel da bóia da caixa dágua, a fim de evitar o desastre do transbordamento.