Sete se mantêm no cargo. Seis foram efetivamente substituídos. Políticos conseguem continuar em seus gabinetes porque estão recorrendo à Justiça
A pequena São Sebastião do Alto parou atônita diante da imagem do prefeito Mauro Henrique Chagas (PT) tentando cobrir o rosto ao ser preso em flagrante por agentes da Polícia Federal, após receber R$ 100 mil de propina, no último dia 18. Na manhã seguinte, a cena do noticiário foi o assunto mais comentado entre os quase nove mil habitantes do município, que, em pouco mais de um ano, vivenciaram o afastamento de dois prefeitos. Chagas era o vice na chapa do também petista Carmod Bastos, cassado em abril do ano passado pela prática de diversos crimes de responsabilidade. O cenário, contudo, não é uma singularidade da cidade localizada a 232 quilômetros do Rio. Dos 92 prefeitos eleitos em 2012, pelo menos 13 foram cassados nos últimos três anos, sendo que seis foram efetivamente substituídos. Sete continuam sentados em seus gabinetes enquanto lutam na Justiça para se manter no cargo.
Entre os que de fato perderam a cadeira de chefe do Executivo municipal estão, além de Carmod, Marco Aurélio Sá Pinto Salgado (Engenheiro Paulo de Frontin), Lúcia de Fátima Fernandes, a Batata (Paty do Alferes), Waldeth Brasiel Rinald (Areal), Lídia Mercedes Oliveira Soares, a Tedi (Conceição de Macabu) e Marcos Antônio da Silva Toledo, o Taninho de Natividade. Nesse último caso, o TRE-RJ marcou para maio eleições suplementares no município.
Já a população de São Sebastião do Alto conviveu por quatro dias com a inusitada situação de ter o próprio prefeito atrás das grades. Instabilidade que teve fim nesta segunda-feira, quando a juíza da comarca, Beatriz Torres de Oliveira, acolheu pedido de liminar do Ministério Público e determinou o afastamento de Mauro Chagas do cargo. Ele será substituído pela presidente da Câmara dos Vereadores, Rosangela Pereira Borges do Amaral (PMDB).
— Não tenho dúvida de que, na cidade, a prisão do prefeito teve mais audiência que o final da novela “Império”. É bem verdade que a gente vive uma novela desde que Carmod e Mauro foram eleitos. A prefeitura garante emprego de muita gente, o que gerou intranquilidade — disse o agricultor Josué Villela, de 58 anos.
A dança das cadeiras se repetiu em outras região do estado. Segundo candidato mais votado nas eleições de Engenheiro Paulo de Frontin, João Carlos do Rego Pereira assumiu a prefeitura no lugar de Marco Aurélio Sá Pinto Salgado, que foi cassado, junto com a vice, Maria Claria Motta Schimidt, ambos acusados de trocar saco de cimento por votos. Mas João Carlos também corre o risco de perder o mandato. As contas de sua campanha foram condenadas, e ele está recorrendo ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Prefeito: doação de alimentos é ‘visão social’
O caso mais emblemático foi o do prefeito Maércio Fernando Oliveira, de Barra do Piraí. Ele foi cassado em abril de 2013. Em agosto do mesmo ano, foram realizadas eleições suplementares, que custaram R$ 51 mil ao TSE. O vencedor do novo pleito foi Jorge Babo, com 56% dos votos válidos. Nove meses depois de Babo assumir, o TSE reverteu a cassação de Maércio. Em 9 de julho de 2014, graças a um novo recurso obtido junto ao TSE, Maércio retornou ao poder. Mas, até isso acontecer, a cidade viveu a situação inédita de ter dois prefeitos legitimamente eleitos pelo voto popular.
Em Aperibé, no Noroeste fluminense, o médico e prefeito Flávio Gomes de Souza (PSB), o doutor Flávio, foi cassado porque, em ano eleitoral, distribuiu 1.150 cestas básicas, além de eletrodomésticos, na principal praça do município, no Dia das Mães. Ele recorreu da decisão e governa amparado por liminar do TSE. Reeleito com votos de 77% dos cerca de sete mil eleitores do município, Flávio alega que o hábito de fazer doações é uma herança de família:
— O meu pai, empresário do ramo de transporte de combustíveis, distribuía alimentos e nunca foi político. As pessoas levam para o lado do clientelismo. Mas tenho uma visão social. Se eu for efetivamente cassado por isso, ficarei até lisonjeado.
Flávio parece manter a prática de distribuição de benesses. Na tarde de sexta-feira, dia 14, quem esteve no bairro Campos Verdes, em frente à sede da prefeitura de Aperibé, foi recepcionado com pipoca e algodão doce, que seriam um oferecimento do município para a festa de inauguração da Escolinha de Futebol e Cidadania Léo Moura do estado. Nas placas que anunciam a cidade na RJ-116, o jovem município (mês que vem, Aperibé completa 23 anos de emancipação de Santo Antônio de Pádua) é apresentado como “terra de um povo acolhedor”. O rótulo de cidade pacata do interior, no entanto, cai por terra quando se chega ao Condomínio Josiane Maciel, de 170 casas, no bairro Ponte Seca, construído pelo estado em 2013, em terreno da prefeitura para a população carente: uma boca de fumo chama a atenção.
— Já começa a ter briga de facções em Aperibé — conta um PM do Destacamento de Policiamento Ostensivo do município.
Maior parte cassada por crime eleitoral
A maior parte dos casos de cassação em curso na Justiça trata de crimes cometidos durante a campanha. O Código Eleitoral criminaliza o uso da máquina administrativa ou de meio de comunicação para a promoção do candidato e o abuso de poder econômico. Em Resende, o prefeito José Rechuan Júnior (PP), por exemplo, teve o mandato cassado em primeira instância no TRE por suposto uso indevido dos meios de comunicação na campanha de 2012. Rechuan, que recorreu da decisão, disse por e-mail que todo homem público está sujeito a “ser processado pelo que fez e pelo que não fez”. Com relação à suposta prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, afirma que seu recurso foi aceito pelo ministro do TSE, Gilmar Mendes.
Apesar do risco de terem seus mandatos cassados, muitos ainda lançam mão do assistencialismo. Caso do prefeito de Arraial do Cabo, Wanderson Cardoso de Brito, o Andinho (PMDB), acusado de abuso de poder político por entregar certidões do IPTU a moradores de bairros carentes, em 2012, levando-os a acreditar que estariam regularizando a posse dos imóveis em que moravam. Em dezembro passado, o TRE cassou Andinho, tornando-o inelegível por oito anos, e determinou a realização de eleições suplementares. O caso está agora no TSE. Segundo a promotora Marcela do Amaral Barreto, da 2ª Tutela Coletiva da Promotoria de Cabo Frio, apesar de ilegal, o assistencialismo como arma de campanha eleitoral é uma prática recorrente, principalmente no interior:
— O brasileiro ainda tem a cultura de trocar votos por algo tangível.
Helil Cardozo (PMDB), de Itaboraí, é a mais recente cassação entre prefeitos do estado. A cidade, que enfrenta problemas com a redução no ritmo das obras do Comperj, agora também experimenta um clima de instabilidade política. Helil teve o registro de candidatura cassado pelo TRE por suposto uso ilegal de telemarketing na campanha eleitoral. O prefeito vai recorrer da sentença no cargo. Por meio de sua assessoria, Helil diz estar tranquilo, nega a fraude eleitoral e afirma que não há provas contra ele.
Em Volta Redonda, Antônio Francisco Neto (PMDB) foi cassado por suposto abuso de poder político e econômico em 2012, ao veicular propaganda institucional no site da prefeitura, em outdoors, placas e faixas pela cidade, durante os três meses que antecedem o pleito, o que é proibido. Neto negou as irregularidades. Segundo ele, os outdoors faziam parte de uma campanha para incentivar a doação de sangue, córneas e leite materno. Ele também continua a trabalhar enquanto recorre da decisão do TRE.
Fonte: O Globo
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