O compromisso com a simplificação é discurso recorrente das autoridades fiscais. Na prática, todavia, essa proclamação é, frequentemente, negada. Evidência disso é a tributação contemporânea das aplicações financeiras – território no qual superabundam o experimentalismo e a excessiva criatividade.
Na segunda metade dos anos 90, foi feito um enorme esforço visando a simplificar a tributação do mercado financeiro, no âmbito do Imposto de Renda, pela eliminação de exceções e de situações que privilegiam determinadas modalidades de aplicação financeira. Essa política se assentava em dois pressupostos: dar concretude ao princípio da neutralidade, que prescreve máxima parcimônia no uso da tributação como fator a influenciar as decisões dos agentes econômicos; e eliminar situações que caracterizassem elisão fiscal, a exemplo da postergação para o resgate do Imposto de Renda devido nas aplicações em renda fixa.
Nos últimos anos, contudo, a simplificação vem cedendo, cada vez mais, espaço para uma impressionante complexidade.
Não se pode negar que têm surgido novos produtos no mercado financeiro, em virtude dos diferentes interesses dos aplicadores e da engenhosidade das instituições financeiras. O que causa espanto, entretanto, é que a expansão na linha de produtos se fez acompanhar de uma grande diversidade de tratamentos tributários, exigindo do aplicador conhecimentos de especialista, envolvendo isenções, dedutibilidade, alíquotas decrescentes ou fixas, tributação definitiva ou sujeita a ajustes na declaração anual, etc.
Nesse universo se incluem produtos como Fundos de Renda Fixa, Fundos de Renda Variável, Certificados de Depósito Bancário (CDBs), Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL), Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), Letra de Crédito Imobiliário (LCI). Nessa salada de letras, cada produto tem tributação específica, que pode variar em função do tempo da aplicação.
VGBL, especificamente, admite duas situações com tratamento diferenciado: tributação regressiva e tributação progressiva, e esses adjetivos não têm o mesmo significado que o adotado na doutrina tributária, sendo associados ao tempo para resgatar.
A opção por um desses produtos implica, macabramente, especular sobre a própria expectativa de vida do aplicador. No caso da tributação regressiva, a opção é definitiva, o que significa dizer que nem mesmo sua expectativa de vida pode ser revista.
A propósito, dizia Benjamim Franklin que só a morte e o Imposto de Renda são inevitáveis. Não imaginava, contudo, o político e pensador norte-americano que, na tributação do VGBL, a associação entre morte e Imposto de Renda fosse levada tão a sério.
Nesse contexto de complexidade, opção mais rentável só pode ser exercida, com eficácia, pelos grandes aplicadores, que dispõem de assessoria própria de planejamento tributário. Os demais contribuintes ficam ao sabor da sorte e da generosidade dos gerentes das instituições financeiras. Mais uma vez, o planejamento tributário, infelizmente, passa a ser ferramenta para tratamento desigual entre contribuintes.
Na semana passada, a poupança trouxe novidades. Embora não tenha sido alterada a norma isencional aplicável, o governo federal promoveu significativas mudanças na remuneração das cadernetas de poupança, ainda que pendentes de aprovação pelo Congresso Nacional. Trata-se de providência que tardava a acontecer. Muito provavelmente, os governos não ousaram mudar antes por força dos traumas decorrentes do confisco da poupança no Plano Collor, em desfavor de sua decantada segurança.
Sem lugar a dúvidas, uma trajetória decrescente na política de juros iria, em algum momento, resultar numa migração maciça de recursos das demais aplicações financeiras para a poupança.
Tendo em vista que a maior parte das aplicações financeiras está associada a títulos da dívida pública, que financiam os gastos governamentais, e que os recursos das cadernetas de poupanças são destinados, basicamente, ao financiamento de investimentos imobiliários, a migração das aplicações iria produzir um grande desequilíbrio nas contas públicas. Não se pode deixar de reconhecer o acerto da mudança, malgrado se possam fazer algumas ponderações quanto à solução adotada.
Por prudência política, foram estabelecidos dois regimes de remuneração: os depósitos anteriores a 4 de maio permanecerão com as regras antigas e os depósitos posteriores a essa data, sempre que a Selic cair para 8,5% ou menos, passarão a ser remunerados com 70% da Selic mais Taxa Referencial (TR). Essa dualidade de tratamento, entretanto, irá confundir o aplicador e dificultar a contratação de financiamentos com base na poupança.
Mais ousadia teria sido incorporar as receitas da poupança ao financiamento geral das contas públicas, ainda que mantida a vinculação dos recursos. Tal medida permitiria construir um modelo de remuneração que não obrigasse a poupança, refúgio dos pequenos aplicadores, a ter a pior remuneração do mercado financeiro.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 07/05/2012
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