Na maior apreensão da história do Rio e uma das maiores já realizadas no país, policiais civis encontraram, quinta-feira de manhã, no setor de cargas do Aeroporto Internacional Tom Jobim, um arsenal de guerra: 60 fuzis que vieram em contêineres de Miami, nos Estados Unidos, e seriam distribuídos para traficantes de favelas da Região Metropolitana. A polícia acredita que outros 30 carregamentos semelhantes podem ter desembarcado na cidade por via aérea.
Cercada de sigilo e desenvolvida ao longo de dois anos, a operação levou à apreensão de modelos de armamento dos mais modernos disponíveis no mercado negro mundial. A carga interceptada foi avaliada em mais de R$ 3 milhões. Mas é apenas a ponta do iceberg: agora, a investigação avançará para tentar identificar a quadrilha que está por trás do ousado esquema de tráfico de armas. Quatro pessoas já estão presas.
Os fuzis estavam escondidos dentro de oito aquecedores de piscina, produtos supostamente importados por uma empresa do Rio. Os equipamentos tinham apenas a parte externa e estavam ocos. A “carga” era composta por fuzis: 45 do modelo AK-47, os preferidos dos criminosos; 14 AR-10 (do mesmo modelo usado pelos policiais da Core e do Bope, tropas de elite das polícias Civil e Militar); e um G-3, uma das mais sofisticadas armas usadas em conflitos armados. Os policiais também apreenderam sete caixas com munição 7,62, usada nos fuzis AR-10, AK-47 e G-3, num total de 140 projéteis.
As armas seriam negociadas no estado pelo empresário João Vitor Silva Roza, preso pelos policiais civis em São Gonçalo, considerado o maior matuto (fornecedor) de traficantes que controlam favelas no Rio, em São Gonçalo e na Baixada Fluminense. Os policiais civis também prenderam outras três pessoas: Márcio Pereira e Costa, um despachante aduaneiro oficialmente autorizado pela Receita Federal para desembaraçar produtos importados no Aeroporto Internacional; o motorista Luciano Andrade Faria, de uma empresa transportadora de carga; e José Carlos dos Santos Lins, braço direito de Roza.
O grupo teria conexões com um empresário em Miami, dono de uma empresa de fachada de exportação e importação. O caso é investigado por autoridades de segurança do Rio e dos EUA. As primeiras informações sobre a rota aérea começaram a surgir em setembro de 2015 em Niterói, quando um policial militar foi morto em São Gonçalo. Ao rastrear a pistola usada no assassinato do PM, os policiais descobriram que a arma também havia sido usada em roubos de cargas.
Em dezembro do mesmo ano, foi descoberto que a quadrilha era uma grande fornecedora de armas para bandidos do estado de facções diferentes e já havia entregue mais de cem fuzis para o tráfico do Morro do Salgueiro, em São Gonçalo, e 74 para bandidos do Complexo da Pedreira, na Zona Norte do Rio. Este conjunto de favelas estava sob o domínio do traficante Carlos José da Silva Fernandes, o Arafat, preso em novembro do ano passado pela PM, na Avenida Brasil.
A prisão de Arafat acelerou a investigação. Levado para a Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC), onde foi autuado por roubo de cargas, ele identificou Roza, por fotografia, como seu matuto de armas e munição.
– Todas as facções de traficantes do Rio recebiam armas desse grupo há pelo menos três anos – afirmou o delegado Marcelo Martins, diretor do Departamento Geral de Polícia Especializada (DGPE), que coordenou os trabalhos dos policiais civis.
Desde o ano passado, as investigações foram concentradas na DRFC. O grupo desarticulado ontem agia de forma tão sofisticada que um armeiro residente em São Paulo, ainda não identificado, se deslocava para o Rio apenas para fazer modificações nos fuzis AR-10, trazidos para a cidade. Com grande poder de fogo, a arma faz disparos intermitentes. No entanto, os fuzis eram alterados para disparar rajadas.
– Essa pessoa viajava até o Rio e conseguia multiplicar o poder de destruição do armamento – contou um dos investigadores.
O delegado federal Roberto Sá, secretário de Segurança do Rio, disse, ontem, durante entrevista coletiva, na Cidade da Polícia, no Jacaré, que vivemos uma “epidemia de violência”.
– O Brasil precisa de um pacto nacional na área de segurança pública. Vivemos uma epidemia de violência, com 60 mil mortes por ano. Cerca de 80% dessas mortes são causadas por arma de fogo. E, no Rio de Janeiro, traficante só dita fama de macho por causa disso. Ele só invade a favela do outro com fuzil. Só encara a polícia com fuzil. Quantas mortes nós não estaremos evitando com essa apreensão? – disse Sá, que voltou a pedir mudanças na lei para punir com mais rigor os acusados de tráfico de armas.
Para o chefe de Polícia, delegado Carlos Leba, os agentes deram uma demonstração de que, mesmo sofrendo na pele a crise financeira do estado, não pararam de trabalhar.
– Trabalhamos em silêncio, somos invisíveis. A apreensão de hoje é a mais clara prova de que o problema não é só nosso. Que o problema não está apenas aqui no Rio de Janeiro. E a clara demonstração de que, se nada for feito, nunca teremos uma solução – admitiu Leba, que pedirá à Justiça do Rio que as armas apreendidas sejam encorporadas ao acervo da polícia fluminense.
Vinícius Cavalcante, diretor da Associação Brasileira de Profissionais de Segurança e especialista em armas e munição, lembrou que a apreensão de 60 fuzis, contrabandeados de Miami, demonstra que os controles exercidos pelas autoridades federais americanas pioraram muito em relação à década de 1990, quando, em função da descoberta de diversas rotas desse comércio clandestino, o governo americano passou a fiscalizar as exportações via aérea com muito mais rigor.
– Com fiscalização fraca, fica praticamente impossível interromper esse fluxo de armamento novo, produzido ou comercializado por empresas norte-americanas, sem o concurso das agências federais do governo dos EUA, que têm bancos de dados essenciais para o rastreamento da origem das armas e de seus eventuais compradores – afirmou Vinícius.
Como a operação aconteceu numa área de segurança restrita, a Receita Federal e a Polícia Federal deram apoio à Polícia Civil na localização dos contêineres. Segundo o inspetor-adjunto da Alfândega da Receita Federal no Galeão, Fernando Fernandes Fraguas, por volta das 10h de ontem, ele recebeu a ligação da Delegacia Especial no Aeroporto Internacional (Deain), pedindo o auxílio para buscar, nos computadores da Aduana, dados sobre as mercadorias que estavam no terminal.
– Paramos o Terminal de Cargas Aéreas para encontrar o armamento – disse.
Fonte: “Extra”
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