Lindomar Góes Ferreira era jovem e já não tinha tempo para mais nada. Enquanto cursava a graduação em matemática na Universidade Federal do Amapá, nos anos 90, seu dia era dividido entre as aulas a que assistia e as que ministrava para os alunos de 5ª a 8ª série da rede pública da capital, Macapá.
As poucas horas que sobravam eram roubadas pela parte burocrática de sua rotina como professor. “Tinha muitas turmas, cada uma com 40 a 50 alunos, e achava traumático preencher tantos diários de papel e calcular tantas notas. É a dor de todo professor”, afirma.
Lindomar não sossegou até achar uma saída para o problema. Com seu notebook, ele programou um diário de classe eletrônico simples, que agilizava o registro dos dados. “Isso foi antes de a internet chegar a Macapá. As informações eram passadas em disquete para a secretaria da escola”, relembra.
Era uma revolução para a realidade local. Vários colegas, também interessados em facilitar o dia a dia profissional, começaram a pedir para usar o programa, que foi se espalhando pelo estado.
Foi o começo da trajetória que levaria Lindomar, hoje com 45 anos, a criar a InovaDados — startup que atualmente fornece tecnologia de gestão escolar online para redes de educação no Brasil inteiro por meio do seu carro-chefe, a plataforma Proesc.com.
O sistema permite dinamizar as atividades cotidianas de professores, gestores e coordenadores, além de gerenciar a parte financeira das escolas e a comunicação com pais e alunos. Hoje, são mais de 2,4 mil instituições de ensino públicas e privadas que adotaram as soluções tecnológicas da empresa — num total de 38 mil professores e 252 mil estudantes. Em 2018, o faturamento da InovaDados chegou a R$ 4 milhões.
Rasteira política
Esse resultado é fruto de trabalho duro de Lindomar ao lado do sobrinho Felipe Ferreira, 29 anos, e de Elias José Teixeira, que desde o início cuida da parte administrativa e hoje é o CFO. Quando abriram a empresa, em 2008, o sistema já era usado de maneira informal em diversas escolas do Amapá, o que chamou a atenção da Secretaria de Educação.
Em 2011, a dupla de sócios fechou um contrato com a rede estadual, alcançando 400 unidades escolares. “Cada escola atendida tinha uma base de dados diferente. Virei noites fazendo a migração de todas elas para uma base única do governo”, diz Lindomar. Os esforços dessa implantação chegaram ao Oiapoque, um dos pontos mais ao norte do território brasileiro.
No entanto, não demorou para a empresa levar um tropeção. “Uma consultoria tinha sinalizado que deveríamos diversificar, investir em outro produto, para não ficarmos dependentes de um só cliente”, diz Lindomar.
Não houve tempo para a mudança: em 2012, vieram as eleições, o governo local mudou e, com a nova administração, a InovaDados perdeu a conta, que garantia R$ 30 mil mensais ao negócio. Foi o início de uma fase complicada. Sobraram apenas algumas escolas particulares como clientes, compradoras de um software de controle financeiro feito pela empresa, o Caixanet.
O baque levou os sócios a investir em planejamento estratégico. A companhia promoveu uma revisão de seus pontos fracos, tirando Lindomar da programação e o reposicionando como CMO (Chief Marketing Officer). Felipe tornou-se o CEO.
A reestruturação coincidiu com a mudança de Lindomar — e família — para São Paulo, em 2014, para um mestrado em engenharia da computação na USP (Universidade de São Paulo). “Enxerguei como uma oportunidade de fazer networking e trazer nossas soluções para o Sudeste.”
A volta por cima começou com o convite feito pela operadora de telefonia Oi para um projeto em Aracaju. “Eles estavam havia mais de um ano tentando informatizar as escolas, mas a empresa contratada não conseguia entregar. Topei o desafio e disse que implantaríamos a solução em 15 dias”, conta Lindomar.
Vencida a concorrência, o CMO embarcou para a capital sergipana no dia seguinte, para uma reunião de kick-off. Era uma quarta-feira, e os envolvidos começaram a traçar um cronograma com prazos longos. “Contestei na hora. Disse que a base estaria migrada até sábado e que, na segunda-feira, a equipe já estaria fazendo o treinamento no sistema de gestão de escolas”, relembra. Como missão dada é missão cumprida, desde setembro de 2015 o programa Oi Educa — nome que a plataforma recebeu em Sergipe — atende uma rede de 1,8 mil professores e mais de 34 mil alunos.
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Cliente grande conquistado, a dupla prestou atenção para não cair novamente no mesmo erro — colocar todos os ovos em uma única cesta. Para aumentar a escala das vendas, acelerou o desenvolvimento da plataforma Proesc.com para uma versão totalmente online, para ser comercializada e gerenciada pela internet.
A empresa também investiu R$ 200 mil — parte deles recebidos do Edital Sebrae de Inovação, programa de fomento a tecnologias inovadoras — em segurança de dados e no time de programadores. Foi assim que surgiu o diferencial da plataforma. “A maioria dos concorrentes tinha um produto de ‘cauda curta’, ou seja, poucos clientes, que pagavam muito”, diz Felipe. “Mas muitas escolas precisam de uma alternativa barata. Quando apostamos nesse mercado, quebramos a barreira geográfica.”
A implantação e manutenção desse tipo de sistema normalmente exige a presença dos desenvolvedores. Optar por dar treinamento e fazer o gerenciamento à distância viabilizou um modelo mais econômico e atraiu clientes para a solução. Ao mesmo tempo, as escolas particulares passaram a contar com um módulo de gestão financeira, focado em melhorar a inadimplência. Hoje, esse módulo faz com que a receita da empresa nos colégios particulares fique entre 40% e 60% maior. Essas escolas já representam 55% dos clientes da marca.
Sons do sucesso
O dia a dia no escritório da InovaDados inclui dois sons peculiares. Um deles é uma buzina, acionada para comemorar cada venda. O outro vem de uma sineta, tocada sempre que um cliente fica apto para usar o sistema Proesc.com.
De certa forma, os sons traduzem dois valores da startup: a agilidade e a busca pelo sucesso do cliente. “Trouxe do mestrado a cultura de métodos ágeis e isso triplicou a nossa produtividade. Temos cumprido em dez dias sprints de trabalho que antes demoravam um mês”, comemora Lindomar.
A metodologia inclui uma reunião de 15 minutos todas as tardes, em pé, além de um planejamento de prioridades a cada 15 dias. “Todos sabem o que é preciso fazer”, diz o CMO. Ao todo, são 25 funcionários fixos na InovaDados, que ocupam um prédio novo de três andares na capital amapaense, construído de forma planejada, com sala de descompressão, cozinha gourmet e churrasqueira. Cada um dos vendedores ganha gratificação por produtividade e geralmente supera a meta de 20 novos clientes por mês. A equipe toda é premiada quando atinge os objetivos mensais — já teve rodízio em uma churrascaria, passeio fluvial e uma viagem a São Paulo, para participar da feira Bett Educar, em 2018.
O sucesso da companhia, segundo seus empresários, não está em bater metas de vendas mas, sim, em garantir a satisfação do cliente. “Só assim ele vai indicar o sistema para outros. Nós somos ativos no pós-venda. Ficamos de olho no uso das ferramentas e orientamos ou reforçamos o treinamento. Trocamos o Suporte por uma área chamada Sucesso do cliente”, diz Felipe.
Esse olhar renovado sobre os métodos de gestão veio de visitas dos sócios a startups em Minas Gerais, São Paulo, Pernambuco e Santa Catarina, já que no próprio estado eles não encontraram modelos que quisessem seguir. Esse, aliás, é o principal motivo para se manterem no Amapá. “Não é prático ficar longe dos grandes centros, e recebemos dois convites para mudar. Mas temos o compromisso de inspirar outras startups que começam a despontar na região Norte”, diz Lindomar.
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A missão que a dupla vê para a startup vai além: impulsionar a educação brasileira. Ao ajudar na gestão pedagógica e na comunicação com as famílias, a ferramenta libera professores e gestores de rotinas que tiram o tempo do principal: cuidar da aprendizagem dos alunos.
A primeira parte desse desafio é dar mais escala ao negócio. A meta é ser o sistema de gestão escolar mais usado no Brasil até 2020 — as principais concorrentes são a Sophia, a WPensar e a Sponte, bem estabelecidas no Sul e no Sudeste. A próxima conquista seriam os mercados internacionais. Depois de atrair clientes em outros países de língua portuguesa, como Moçambique, Angola e Portugal, os planos agora incluem lançar a plataforma em espanhol e inglês, além da contratação de um representante nos Estados Unidos.
Enquanto se prepara para aumentar sua atuação fora do Brasil, a dupla de empreendedores usa a pescaria como válvula de escape. Recentemente, foram fisgar peixes no interior do Pará, uma viagem de 28 horas de barco pelo rio Xingu. Felipe garante que ele e o tio não discutem assuntos profissionais na pesca. Mas fisgar tucunarés é algo que envolve desafio, persistência, adrenalina… assim como criar, no norte do país, uma startup que quer dominar o Brasil.
Fonte: “Revista Pequenas Empresas, Grandes Negócios”