Quando a peste chegou à Europa, em meados dos 1300, a regra adotada por famílias prudentes era se trancar dentro de casa, evitando contato com pessoas de fora.
Embora essa regra de contato mínimo não fosse exatamente equivocada, a morte estava nos detalhes e passava pelos buracos das paredes: a doença vinha pelas pulgas, trazidas por ratos negros que perambulavam por cima dos mortos. Cruel ignorância. A humanidade foi quase dizimada antes de entender como a doença de fato se transmitia.
Esse tipo de aprendizado é o que estamos tentando fazer, sem muito sucesso, há mais de 30 anos.
Outro tipo de peste, econômica, destroça nossa capacidade de crescer. Perdemos duas décadas, entre os 1980 e 1990, tentando entender por que o milagre havia acabado. Estancamos, com um crescimento na faixa de 2,5% por ano.
Melhoramos quando adotamos o “tripé” em 1999. A fórmula dizia (1) faça saldo fiscal primário para cobrir boa parte dos juros da sua dívida, (2) crie metas de inflação, impondo juros punitivos até que os preços se acalmem e (3) pare de manietar a taxa de câmbio para os setores mais competitivos poderem florescer.
Deu certo. Com a forte ajuda de Alan Greenspan e dos chineses, veio uma onda enorme que nos surfou até a praia da prosperidade aparente. O dono da prancha atendia pelo nome de Lula da Silva. Não percebemos, na euforia de pobre, que continuávamos mirrados, crescendo abaixo do potencial.
A peste da estagnação parecia afastada, pois voltamos a crescer quase 4% em média. Alguns órgãos, como FMI, até anteviram que nosso potencial de crescimento havia se elevado. Erro parecido com o dos médicos durante a peste europeia.
Outro “surto” de estagnação voltou e encabulou Dilma e sua equipe. O FMI também disse que não somos mais o país dos 4%. E daí?
Os médicos da peste bubônica logo reapareceram, brandindo a regra do tripé. Candidatos ao Planalto também juram que a adotarão. Raras são as vozes, como a da Folha em editorial (“Além do tripé”, 23/10), que deixam registrada sua desconfiança na poção mágica.
Por que não funciona o tripé? O problema, mais uma vez, reside nos detalhes. O comando de se fazer superavit fiscal primário todos os anos só seria bom se a despesa pública não superasse continuamente o avanço do PIB, como hoje no Brasil. Uma economia com amplo gasto de governo e setor privado estancado tem sempre desequilíbrio de oferta, com mais propensão à inflação.
Vem o segundo comando do tripé: tome bastante juro, cinco vezes ao dia, em doses cavalares, até a inflação “voltar ao centro da meta”. O gasto público com juros ficará catastrófico, gerando esforço de mais superavit primário. E de mais carga tributária, claro.
Enquanto isso, com câmbio flutuante e juros altos, jorram dólares para aproveitar o juro brasileiro, e o real se aprecia. Afunda a indústria. Financia os passeios para a Disney. E “la nave va”. A regra do tripé passa a ser venenosa. O tripé não pode ser administrado por quem não sabe que os ratos entram pelas frestas.
Providência essencial: criar uma regra para o avanço do gasto público que, durante uma década, deverá operar com expansão abaixo do PIB que o financia. O crescimento anual do gasto corrente não pode ultrapassar metade do avanço do PIB. Não será doloroso, pois o PIB avançará mais rápido do que hoje e, portanto, metade de mais pode vir a ser maior do que o dobro de menos.
Este ano, temos o gasto público atropelando a 6% ao ano em termos reais, numa economia mirrada que não chega a 3%. Menor pressão de gastos quer dizer menos dívida, menos juros, mais eficiência, mais abertura externa, mais país para todos. Menos ratos, menos peste. Prosperidade real.
Providência suplementar: arrume gatos. Leiamos o que diz o artigo 67 da Lei de Responsabilidade Fiscal. O legislador nos deixou aí a chave para o controle definitivo da peste. A chave do enigma está na nossa frente, nas mãos dos homens que, em Brasília, brincam de gato e rato.
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