Os estrangeiros, que vinham retornando com força ao mercado de ações brasileiro desde novembro, engataram uma nova retirada desde meados de fevereiro, quando o presidente Jair Bolsonaro trocou Roberto Castello Branco pelo general Joaquim Silva e Luna na presidência da Petrobrás. A decisão, anunciada em 19 de fevereiro, foi motivada pela insatisfação de Bolsonaro com os aumentos nos preços dos combustíveis, e é apontada por analistas como o ponto de virada no apetite dos estrangeiros pelo mercado acionário brasileiro. Desde então, R$ 15,9 bilhões em recursos estrangeiros foram retirados da Bolsa brasileira, a B3. Só em março, saíram R$ 4,6 bilhões. A título de comparação, em janeiro, houve aporte de R$ 23,5 bilhões.
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Apenas no caso da Petrobrás, que está entre as empresas mais negociadas do mercado brasileiro e é demandada por estrangeiros, o valor de mercado caiu de R$ 354,7 bilhões, antes da troca na presidência, para cerca de R$ 309 bilhões. Para a Bolsa como um todo, além do fator Petrobrás, a expectativa de que a reabertura completa da economia vai demorar alguns meses leva os estrangeiros a seguirem na defensiva e em compasso de espera. Entre outros fatores, de acordo com gestores, eles estão de olho no ritmo da vacinação contra a covid-19, ainda visto como lento.
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Enquanto isso não acontece, a troca no comando da petroleira acendeu um sinal amarelo junto aos estrangeiros. Ronaldo Patah, estrategista de investimentos da gestora de patrimônio UBS Consenso, considera que houve um grande impacto da demissão de Roberto Castello Branco na decisão dos estrangeiros de aportar ou não no Brasil. “Vimos um choque negativo de confiança, com o fluxo virando de positivo para negativo naquela semana”, aponta.
A visão é compartilhada por Cesar Mikail, gestor de renda variável da Western Asset. “Além da piora nos números da pandemia, com os números de infecções e mortes batendo recordes sucessivos, a saída do Castello Branco também deixou o investidor temeroso. É um somatório de pontos negativos.”
O analista da Inversa, Felipe Paletta, concorda que o quadro mudou totalmente desde fevereiro, e que o ponto de virada foi a mudança no comando da Petrobrás. “Na sequência, os juros (futuros) começaram a subir nos Estados Unidos e aqui também. A questão fiscal, por sua vez, se tornou um pouco mais complicada à medida que os juros (no Brasil) tiveram de subir mais rapidamente do que o esperado”, observa.
Atração para as commodities
Mauro Orefice, diretor de investimentos da BS2 Asset, afirma que dois fatores ajudaram a impulsionar as retiradas. “No exterior se observou uma mudança considerável do apetite dos investidores por emergentes em razão da volta de alta nos juros (futuros nos Estados Unidos)”, explica. “E aqui, para piorar, o que poderia ter melhorado só piora, incluindo nessa lista a problemática falta de gestão da pandemia.”
Ele acredita em uma leve melhora no fluxo em abril, mas com saldo ainda negativo. “A questão política e fiscal segue no radar, pois esse tema não é nada trivial. O estrangeiro olha muito para fatores de estabilidade fiscal de longo prazo e hoje temos uma dívida alta”, explica. Segundo ele, os ruídos políticos também afastam investidores, mas são secundários na decisão do estrangeiro.
Paletta, da Inversa, acredita que exportadoras ligadas a commodities é que devem se beneficiar desse ambiente em razão do real depreciado, e devem atrair recursos de estrangeiros. Ele alerta, porém, que as cotações internacionais de matérias-primas como o minério e a celulose subiram muito rápido, e estão sujeitas a um ajuste.
Para Filipe Ferreira, diretor Financeiro da Comdinheiro, plataforma de dados que atende a gestoras e consultorias, os últimos 45 dias deram um ‘choque de realidade’, não só no Brasil. “Hoje temos uma melhor dimensão da crise sanitária do que tínhamos há seis meses, mas sabemos que ainda vai demorar um pouco para o retorno à normalidade, o que pode ser somente em meados em 2022”, calcula. Ele acredita que a piora na contaminação pela covid no País pesou no na percepção sobre o mercado local.
O cenário de descontrole da covid, aliado à instabilidade política, deve manter os estrangeiros com o pé no freio até o início de maio, avalia Ferreira, assim como a pressão do câmbio e seu consequente efeito nas decisões sobre a taxa básica de juros. “O Copom se antecipou bem ao aumentar a taxa de juros e dar essa segurança de que a moeda irá permanecer em um lugar confortável.”
Economia real e contas públicas
O grande ponto de incerteza para os estrangeiros no momento, destacam os analistas, é por quanto tempo a economia brasileira ficará fechada por causa da pandemia, e quais os impactos desse fechamento sobre outros números. “Quanto mais tempo ficarmos fechados, mais tempo a população irá depender do auxilio emergencial e a situação fiscal continuará difícil”, explica Ferreira.
Cético sobre a questão, José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, ressalva que é possível um retorno pontual caso alguma privatização aconteça. “Não tem nada de muito relevante para se vender tirando Eletrobrás, mas eu duvido que saia”, diz.
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O economista-chefe pondera que a retração do fluxo estrangeiro aconteceu, em maior ou menor grau, com todos os mercados emergentes. “E com juro (futuro) subindo (nos EUA) e mercado contraindo esse fluxo deve continuar negativo por um bom período. Em termos domésticos temos desemprego em alta, renda em queda e um programa emergencial pífio”, afirmou.
Segundo Patah, do UBS, entre novembro e o início de fevereiro o bom humor global prevaleceu independente do cenário local, o que explica os aportes em nível recorde no período. Depois, porém, a seletividade aumentou. “Mesmo que o investidor tenha interesse em entrar nos mercados emergentes agora ele está mais seletivo, com mais interesse em China”, diz Patah. Para o estrategista, o Brasil ficou para trás, neste momento, por deméritos próprios.
Mikail, da Western, afirma que embora o auxílio emergencial tenha sido retomado, o governo ainda não explicou como pagará a conta, o que mantém a desconfiança. “Aliado a isso, começa a se antecipar uma discussão que era esperada apenas em 2022, que é a da eleição presidencial. Isso também implica em mais volatilidade.”
Fonte: “Estadão”, 06/04/2021
Foto: Reuters