Está certo que é informal, mas tem muita gente que defende honestamente uns trocados com a venda de mercadorias compradas em Ciudad del Leste e outras menos votadas — ou visitadas. Não é moleza. Imagine, por exemplo, fazer Brasília-Foz-Brasília, de carro, em três ou quatro dias. E muitos fazem, como se pode ver pelo comércio na feira do Paraguai. Cada pessoa, viajando por terra, pode trazer até US$ 300 em mercadorias, sem pagar imposto de importação. Com quatro pessoas em cada carro mais — vá lá — algum por fora, e dá um bom negócio.
Pois na última segunda-feira, sem mais nem menos, a Receita Federal decreta: daqui em diante só pode trazer US$ 150 sem imposto. Tão surpreendente que nem os agentes de alfândega das cidades de fronteira sabiam. Nem precisaram. Na terça, a regra foi adiada para julho de 2015. Havia caído muito mal, sobretudo em ano eleitoral, não é mesmo?
Trata-se de comércio pequeno. Do lado de lá, às vezes chamam de contrabando hormiga. É popular ou, se quiserem, tipo classe D. Não esqueçamos: tem também as pessoas que moram perto da fronteira e aproveitam o fim de semana para fazer compras. Assim como os mais abonados pegam uma semana em Miami ou Nova York para fazer a mesma coisa, estes podendo trazer até US$ 500 sem impostos.
Aliás, não tem aí um privilégio para os mais ricos?
Fabricantes e varejistas brasileiros reclamam, com razão. É uma concorrência… como dizer? Ilegal não é, injusta, talvez.
O que cria o mercado é o alto custo de produzir e vender no Brasil. E nesse custo é preciso incluir as trapalhadas do governo — como essa de cortar a cota sem mais nem menos.
É coisa pequena? Ok, mas vá dizer a quem vive disso ou aproveita essa economia. Além disso, seria uma intervenção pesada na vida dos brasileiros que moram nas cidades de fronteira. Quer dizer que não podem nem atravessar a rua para comprar um liquidificador?
Pode-se criar, vamos lá, uma rigorosa regulamentação. Por exemplo: só podem fazer as compras os moradores num raio de… quanto? Dez, vinte quilômetros da fronteira? Talvez fosse conveniente introduzir uma “carteirinha de fronteiriço”, com registro na polícia e, claro, nas Receitas Federal, estaduais e municipais.
Exagero com uma coisa simples? Misturando estações?
Pois então se coloque na posição de um brasileiro comum, que vai abrir um negócio legal e local, com uso intensivo de energia. Pensou numa fábrica de alumínio? Ok, mas cogite de algo mais simples, uma lavanderia. A questão é a mesma: quanto vai a custar a energia?
Dá para saber que será mais cara do que a de hoje, mas quanto? Impossível adivinhar, dada a trapalhada que o governo fez e continua fazendo no setor. O custo de produzir e vender energia no Brasil aumentou, mas não se sabe exatamente quanto e quem vai pagar. Ou seja, a conta vai para o dono da lavandeira, para o sujeito que deixa o terno para lavar e passar ou para todos que pagam impostos, tenham ou não roupa para lavar?
Já viu. No final, a conta vai para a mesma pessoa, você mesmo caro leitor, quer esteja na posição de consumidor direto ou de contribuinte — ou consumidor indireto.
A confusão dos 300 dólares tem uma história. Ocorre que em dezembro de 2012 saiu uma lei permitindo a criação de lojas free shop nas cidades brasileiras de fronteira terrestre. Raciocínio: em vez de atravessar a fronteira para comprar sem imposto, o brasileiro pode comprar sem imposto numa loja do lado local.
Faz sentido, favorece o comércio nacional, tira freguesia dos vizinhos. Que reclamaram, até em nome da amizade bolivariana, quer dizer, do Mercosul. Deve ter sido para equilibrar as coisas que o governo decidiu que a cota livre de impostos cairia para US$ 150. Mais outro tanto no free shop brasileiro, e pronto.
Mas e o comércio brasileiro que não fosse free shop? E voltamos ao ponto de partida: o desequilíbrio de mercado criado pelo Custo Brasil e, mais ainda, pelas intervenções do governo que, tentando consertar, geram outros desequilíbrios e custos.
Foi exatamente o que aconteceu com a energia. Todo mundo reclamava, com razão, que a energia elétrica era muito cara no Brasil. Pois a presidente Dilma interveio no mercado com mão pesada e criou um sistema que terminou com a energia mais cara, com custos maiores para produtores, distribuidores, consumidores e governo (nós, de novo).
E pior. Com incerteza. Quanto e quando vem de reajuste? E se sai um pacotaço logo depois das eleições, tão de surpresa como a resolução que saiu na última segunda, regulamentando uma lei que estava na gaveta há um ano e meio?
Sabem o que é isso? Tumultuar, e encarecer, o ambiente de negócios.
Fonte: O Globo, 24/07/2014.
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