Fiz um livro despretensioso reunindo “101 canções que tocaram o Brasil”, que não são as “melhores” ou as “mais belas”, porque isto não existe, mas as que mais tocaram no rádio, na rua, na televisão e, principalmente, no coração dos brasileiros, como uma trilha sonora da nossa história e de nossos sentimentos desde 1899, com o “Abre-alas” de Chiquinha Gonzaga.
Imaginei que o livro teria respostas favoráveis e desfavoráveis, é do jogo. Mas a lista não foi questionada, as polêmicas não tiveram a ver com música, mas com paixões insanas.
Sem discutir a lista ou os critérios, uma leitora disse que agora não consegue mais ouvir “aquele compositor” (evitou até o nome), que ele não devia estar no livro. Respondi à ex-fã de Chico Buarque que quem perdia era ela, que é um erro enorme e empobrecedor misturar os autores e suas obras. Conhecia-se o ódio cego, mas o surdo é novidade.
O grande poeta americano Ezra Pound era simpatizante do fascismo e autor do clássico “ABC da poesia” e de vasta obra poética de alto nível, mas mesmo críticos comunistas e anarquistas reconheceram a qualidade, permanência e influência de sua obra, que não tratava de política e foi muito além dela. Mas, para muitos colegas e competidores de Pound, que sumiram na poeira do tempo, era um bom pretexto para tentar diminuir o talento que invejavam.
As pessoas passam, e as suas obras ficam. Esta ou aquela posição politica, que estão sempre mudando e às vezes até se invertem, não melhoram e nem pioram uma música ou um poema. Parece óbvio ululante, mas há controvérsias.
Uma advogada, que até gostou do livro, reclamou de canções históricas de Chico Buarque (“Apesar de você”) e Geraldo Vandré (“Pra não dizer que não falei de flores”) na lista, é mole?
Um professor fez restrições: se sentiu ofendido, ou quase, com o valor e a importância que o livro dá a clássicos dos golpistas Lobão (“Me chama”) e Roger Moreira (“Inútil”), pode?
Além de cegos, estão surdos e insanos, mas estariam melhor mudos.
Se deixasse a lista nas mãos desse pessoal, teríamos as 101 mais medíocres e vulgares da nossa história.
Fonte: O Globo, 14/10/2016.
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