Com o fim das eleições municipais no domingo, o governo e o Congresso precisam urgentemente dar continuidade às reformas do Estado. O Brasil está numa encruzilhada. Se trilhar o caminho das reformas, da responsabilidade fiscal e da diminuição da insegurança jurídica, o País poderá retomar o crescimento econômico, atrair investimento privado e criar empregos para milhares de desempregados. Mas se optar pela vereda do populismo fiscal e da agenda eleitoreira, o Brasil repetirá a saga desastrosa do governo Dilma Rousseff, que quebrou o País para permanecer no poder. O Brasil não aguenta uma nova versão de Dilma II.
O caminho das reformas será árduo. Demandará foco, determinação e coragem do governo e do Congresso para enfrentar o corporativismo estatal e empresarial. O primeiro busca sabotar a reforma administrativa, o fim de privilégios e de regras que comprometem a capacidade e eficiência de o Estado prestar serviço público de qualidade à população, sufocando a valorização dos bons servidores e prejudicando a ascensão meritória dos burocratas competentes. Já o corporativismo empresarial tenta sabotar a reforma tributária para evitar a desmama de benefícios fiscais, subsídios e privilégios setoriais concedidos pelo Estado. As benesses tributárias, adicionadas às políticas econômicas protecionistas, contribuíram para destruir a produtividade e a competitividade do País, transformando o Brasil numa das economias mais fechadas do mundo, incapaz de competir nos mercados globais – com a rara exceção do agronegócio.
Não é por outra razão que a nossa produtividade vem caindo há 20 anos e o Brasil vem crescendo muito abaixo da média dos países emergentes. Para reverter esse quadro temos de aprovar a agenda modernizadora do País. Segundo documento do Unidos pelo Brasil – movimento da sociedade civil comprometido com a aprovação de propostas voltadas para a retomada da economia –, o produto interno bruto (PIB) brasileiro pode crescer 11,34% até 2024. A boa notícia é que esses projetos de lei já estão tramitando no Congresso, basta votá-los.
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Mas para transformar projetos de lei em votos o governo precisa vencer dois obstáculos. O primeiro é a sua capacidade extraordinária de fomentar intrigas políticas e disparar ataques pessoais que dividem a sua base de apoio, humilham os seus aliados e denigrem a imagem dos seus ministros. Essas disputas minam a interlocução política, acentuam a imprevisibilidade das reações pessoais do presidente da República, aumentando atritos com o Parlamento e a desconfiança entre os protagonistas dos Poderes Executivo e Legislativo sobre a capacidade de honrarem os acordos firmados em torno das matérias que precisam ser votadas. Ao minar o campo do entendimento político, perde-se a chance de construir consensos em torno das reformas, abrindo espaço para o triunfo do discurso da demagogia, que pode arruinar o País.
Esta é a segunda armadilha: o perigoso grupo dos aduladores do presidente não hesita em quebrar a Nação para vencer a próxima eleição. Pressentindo a hesitação do governo em se empenhar na aprovação da agenda reformista, os oportunistas incitam Bolsonaro a mandar às favas as reformas e o teto do gasto público para abraçar as propostas “populares” que ajudarão a reelegê-lo. Argumentam que o importante é colocar dinheiro no bolso dos mais pobres, demonizar a esquerda e aniquilar a reputação dos candidatos que almejam unir o centro político. Trata-se de uma versão recauchutada do plano Dilma II, que arruinou o País, deixando um legado trágico de recessão econômica, queda de renda e 13 milhões de desempregados.
Os brasileiros deram um recado claro nas eleições municipais. A ala carnavalesca da “nova política” populista foi dizimada nas urnas. Os eleitores estão cansados de discursos vazios e da polarização política. Os grandes vitoriosos foram os partidos tradicionais e os políticos experientes. O Brasil quer menos radicalismo e mais diálogo. Preferiu escolher governantes capazes de enfrentar os desafios da pandemia com competência, eficiência e coragem.
O Brasil não tem mais tempo a perder. Estamos à beira do ponto de não retorno.
Se continuarmos a postergar as reformas estruturais do Estado e preterir a aprovação da agenda modernizadora capaz de garantir a estabilidade das regras e a segurança jurídica, o Brasil continuará afundado no atoleiro do baixo crescimento econômico, do alto desemprego e da menor taxa de investimento em relação ao PIB entre os países emergentes. A opção pelo caminho do populismo e da agenda eleitoreira levará o País à ruína econômica, ao caos social e à mais desafiadora crise institucional desde a redemocratização.
Mas ainda nos resta uma última chance para evitar o desastre. Ela depende fundamentalmente das escolhas do governo federal nos próximos dois meses. Desta vez não há como escapar da escolha difícil diante da encruzilhada. Os atalhos acabaram e os sinos dobram, lembrando-nos de que as escolhas dos próximos meses terão profundo impacto no destino do País.
Fonte: “Estadão”, 25/11/2020
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