Se o poeta Castro Alves fizesse parte hoje do governo brasileiro, diria, de pronto, que “estamos em pleno mar”. E, meditativo, talvez indagasse ao redor: “Quem sabe o rumo, se é tão grande o espaço?”. Difícil é que obtivesse alguma resposta.
[su_quote]Um fim de ano para dele não ter saudade nunca[/su_quote]
Saber do rumo não é o problema maior com que o governo – e, por consequência, o país – se depara. Nem é o tamanho ou o encapelado do mar para onde a presidente Dilma Rousseff nos conduziu. O grande problema é o de varar o nevoeiro. E não há como fazer prognósticos quando o caminhante não vê sequer os próprios pés. Todo jornalista de qualquer veículo importante está sendo assediado diariamente por vizinhos, parentes e conhecidos com a pergunta: O que você acha que vem por aí? E uma das mais frequentes, repetida com ansiedade: “Você acha que vai haver confisco da poupança?”.
Não, não acho, vou logo dizendo, tenho certeza de que não vai. Mas o semblante do interlocutor me sugere que não era o que ele queria ouvir.
O nevoeiro está tão pesado e compacto que qualquer navegante de longo curso ou comandante de aeronave transcontinental sabe que a ordem é se orientar por instrumentos. Mas, no caso brasileiro, há uma agravante pérfida. Todos os instrumentos, ou seja, os indicadores normalmente usados para traçar algum rumo, apontam para desastre à frente: PIB, inflação, indicadores de atividade, de emprego, de evolução da renda, de endividamento, de inadimplência, de solvência, do movimento do varejo, do grande comércio, das vendas de carros vão escada abaixo.
Pois seria nestas fases ruins e perigosas que a maioria dos governos responsáveis teriam de mostrar qualidade, presteza e competência. Teriam de destravar o regulete e botar a locomotiva em marcha.
De novo, mais uma agravante no caso brasileiro: o governo encontra-se paralisado, desnorteado, na verdade em vias de ser defenestrado e sem capacidade de agir. A presidente percorre o país inaugurando casinhas e creches, angariando aplausos de plateias convocadas por militantes do seu partido (qual deles?). É uma resposta miúda e rombuda ao movimento pró-impeachment, que ela julga ser fruto de mera armação dos derrotados da oposição.
Não lhe ocorre, portanto, que seja qual for o desfecho desse round da luta política, haja ou não haja impeachment, não haverá governança confiável no Brasil, pelo menos até 2018, quiçá até 2022. O estrago na economia brasileira posta a serviço, primeiro, da reeleição de Lula, depois, da eleição de Dilma e, afinal, da sua reeleição, com vista a uma terceira eleição de Lula em 2018, foi de tal ordem que demandará possivelmente 10 ou 15 anos para ser reparado. E decorreu do decantado “projeto do PT”, que acabou se revelando nada mais do que um “projeto pró-Lula”. Não era um projeto para reconstrução de uma nação destroçada por uma ditadura de mais de 20 anos. Os militares dividiram a sociedade brasileira entre esquerdistas e direitistas. Para usar uma palavra do gosto deles, criaram uma cizânia inconciliável e, em nome dela, mandaram no País. Lula criou o Brasil dos “a favor dos pobres” e dos “contra os pobres” – do “nós” e “eles”, do povo contra a elite branca. Outra cizânia, pois ele insiste todos os dias nesse linguajar tosco para explicar e exacerbar os conflitos que empacam o Brasil. E em nome dela ergueu o presidencialismo de coalizão, que, agora se vê, é de colisão.
Enfim, é lamentável, mas inevitável, perceber que chegamos ao fim de um ano de pesadas perdas nos ativos que levam uma nação à grandeza de fato. Na economia, elas são visíveis; na política, mais ainda; na cultura, na educação, nas artes, no bem-estar geral. Um fim de ano para dele não ter saudade nunca.
Mas é forçoso desejar que o país recupere suas forças e sua dinâmica em 2016, a despeito do nevoeiro que, como já disse, desautoriza prognósticos otimistas. Fiquemos, pois, nos desejos e abandonemos, por ora, os vaticínios que a razão nos impõe…
Fonte: O Estado de S.Paulo, 17/12/2015.
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