Peças de 20 toneladas cada estavam em terreno no Caju, que foi murado. Paradeiro do material continua desconhecido
Supervisor de operação da A-Lugg — empresa de locação de guindastes —, Gustavo Machado já se acostumou com a reação de motoristas que passam pela Avenida Rodrigues Alves, onde ele coordena a retirada de vigas de aço, leiloadas pela prefeitura, do esqueleto do Elevado da Perimetral, além do corte e da colocação do material em caminhões. Gustavo leva na esportiva acusações e perguntas.
— Tem gente que grita: “ladrão!”. Outros perguntam: “cadê as vigas?”, “vai sumir com essas também?”, “para onde vai levar essas vigas?” — conta ele.
Tamanha indignação tem uma razão. Há um ano, veio à tona o furto de seis vigas da Perimetral, de um terreno no Caju, usado à época como depósito pela concessionária Porto Novo, que executa as obras do Porto Maravilha. O porte das estruturas — cada uma tem 40 metros de comprimento e pesa pelo menos 20 toneladas, carga semelhante à de 20 Palios — não impediu o crime, que, pelo inusitado, acabou virando até marchinha no último carnaval.
Mas o paradeiro do material continua sendo um mistério. A Delegacia de Roubos e Furtos (DRF) ouviu cerca de 40 pessoas, entre funcionários de empresas terceirizadas e da prefeitura, e pediu aumento para o prazo de investigação ao Ministério Público algumas vezes. Ainda sem conclusão e sem que ninguém tenha sido indiciado, o inquérito policial prossegue.
Retalhos de 12 vigas: a bola da vez
Para o sumiço de um terço de uma das vigas (na verdade, foram furtadas cinco vigas e dois terços de uma peça), há uma explicação. Essa parte repousa, segundo a prefeitura, como obra de arte informal, nos jardins da residência oficial do prefeito Eduardo Paes, na Gávea Pequena. Durante a implosão de um trecho do elevado, Paes disse que queria “levar um pedaço para casa”, para que ficasse como símbolo do desmonte da Perimetral
Só que, agora, a história ganhou mais um capítulo intrigante. Retalhos de seis metros de 12 vigas podem também estar sumidos. A empresa Transreta, contratada para duas operações de içamento e transporte, diz que, num primeiro momento, levou 18 peças, com 40 metros de comprimento, do Porto para o terreno do Caju, na Avenida Prefeito Júlio de Moraes Coutinho, perto da Avenida Brasil. Numa segunda fase, afirma ter transportado 12 delas (as outras seis haviam sumido), para a Via Binário. Detalhe: a transportadora garante que essas só tinham 34 metros de comprimento. As vigas “encolhidas” podem ter sido serradas por ladrões.
Por nota, a Transreta diz que “não oferece ao mercado serviços de corte, que são realizados exclusivamente por empresas capacitadas para o manuseio de maçaricos industriais”. Destaca ainda a complexidade operacional das duas operações de içamento e transporte das vigas.
A possibilidade de o furto ter sido maior é negada pela Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp). Segundo o órgão, as 18 peças, retiradas da rampa da Perimetral em frente à Rua Antônio Lage, foram levadas para o Caju em fevereiro de 2013. A Cdurp desconhece os retalhos e garante que as 12 vigas transportadas de volta para o Porto — elas foram usadas para inverter temporariamente o sentido da rampa da Antônio Lage — mantinham os 40 metros de comprimento originais. A rampa já não existe mais e essas vigas fazem parte de um dos lotes leiloados.
A polícia acredita que o furto das seis peças tenha ocorrido entre 10 de junho e 12 de agosto do ano passado. Uma foto de satélite, de 28 de maio de 2013, mostra as seis vigas no terreno. Em 13 de agosto, elas já haviam desaparecido.
As vigas do elevado foram confeccionadas em aço corten. Trata-se de um produto nobre da siderurgia, altamente resistente à corrosão e projetado para durar entre 300 e 400 anos, explica o engenheiro mecânico e de segurança Jaques Sherique, do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio (Crea-RJ):
— É um absurdo que um material caríssimo tenha sido furtado. Por sua característica anticorrosiva, o aço corten é usado principalmente em pontes, viadutos e passarelas construídos próximos ao mar.
Nova investida: dados de GPS
O engenheiro calcula que o valor do material furtado possa chegar a cerca de R$ 140 mil. Já o delegado Márcio Braga, titular da Delegacia de Roubos e Furtos (DRF), através da assessoria da Polícia Civil, afirma que as vigas furtadas estão avaliadas em R$ 60 mil, de acordo com laudo do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE).
Em busca de dados que ajudem a esclarecer o crime, o último passo do inquérito foi o cumprimento de mandados de busca e apreensão — requisitados por Braga e concedidos pela Justiça — nas empresas de monitoramento por GPS dos caminhões que atendem às obras do Porto. Agentes da especializada recolheram material em São Paulo e Curitiba.
Em novembro do ano passado, duas testemunhas que moram ou trabalham nas redondezas do terreno do Caju deram pistas sobre o que poderia ter acontecido. Em depoimento à polícia, contaram ter visto guindastes içarem as vigas e colocá-las em caminhões, que teriam seguido em direção à Avenida Brasil. Uma delas disse que quatro homens teriam usado maçaricos para retalhar as vigas.
O depósito funcionava num terreno aberto, usado também como estacionamento por caminhoneiros. Hoje, quase todo o terreno está murado: parte dele ainda é ocupada por caminhões, e o restante está vazio.
No primeiro aniversário do sumiço das vigas, dirigentes de empresas e autoridades optaram pelo silêncio. As respostas foram encaminhadas por e-mail através de assessores. Em nome da prefeitura, a Cdurp garante que, após o episódio, criou um controle rígido para registro da saída das vigas dos canteiros da Perimetral.
Enquanto a autoria do crime não é esclarecida, quase 900 peças que foram ou estão sendo retiradas do elevado tiveram outro destino: 731 foram leiloadas pela prefeitura; 137, cedidas à Fundação Rio Águas para serem utilizadas na construção de reservatórios de águas pluviais na região da Tijuca; e 30, usadas nas próprias obras do Porto.
A operação de retirada e remoção das vigas é um trabalho complexo e requer guindastes potentes. A responsabilidade do trabalho é das empresas que arremataram o material em leilão. Anteontem à tarde, no trecho entre a Praça Mauá e a sede da Receita Federal, havia 14 vigas penduradas no elevado. No canteiro da Rodrigues Alves, outras sete (desmontadas, no chão) eram içadas para caminhões.
Demolição começou há um ano e oito meses
Marco da revitalização da Área Portuária, a demolição da Perimetral, que visa a liberar a vista da Baía de Guanabara, começou em 5 de fevereiro de 2013, quando o prefeito Eduardo Paes comandou a operação de remoção da primeira viga de aço da rampa do elevado, em frente à Rua Antônio Lage, próximo ao Moinho Fluminense, içada por um guindaste de 400 toneladas. Esta e outras 17 peças — incluindo as seis que desapareceram — foram transportadas por 6,5 quilômetros até o depósito do Caju.
A partir daí, a derrubada do elevado está sendo feita por etapas e usando técnicas diferentes. Em novembro de 2013, foram implodidos os pilares do primeiro trecho — 1.050 dos 4.790 metros da via —, entre a Avenida Professor Pereira Reis e a Rua Silvino Montenegro. Em fevereiro deste ano, começou a segunda etapa do processo: a retirada de 1.163 metros por demolição a frio (desmonte) da Praça Mauá à Avenida General Justo. Mais 300 metros foram implodidos, na área da Praça Mauá, em abril desde ano. Três meses depois, a prefeitura iniciou a demolição do último trecho do elevado, entre o estacionamento da Rodoviária Novo Rio e a Avenida Professor Pereira Reis.
Parte do esqueleto da Perimetral ainda faz parte da paisagem da Avenida Rodrigues Alves. A Cdurp não contabiliza o número de módulos retirados, alegando que o serviço é feito por trechos. Diz que foram removidos 99% do tabuleiro, 73% das vigas e 65% dos pilares. E assegura que, até o fim de dezembro, não haverá mais qualquer peça do elevado na Praça Mauá.
Fonte: O Globo
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