Este parece ser um diagnóstico consensual entre os vários agentes da economia. Este ano já está perdido. Desafio maior será encontrar meios para que no ano que vem este caos não continue. Não será uma tarefa fácil. A impressão que se tem é que o governo já perdeu a capacidade de coordenar ações e daí, expectativas. Não está mais no controle da situação, mas a reboque dos fatos. Não tem mais governabilidade, perdido numa crise política sem fim e numa recessão econômica, que já se mostra pelos indicadores mais recentes de atividade divulgados.
Na “seara política”, a incapacidade da presidente Dilma em articular com seu “arco de aliança” é algo crescente e o preocupante. A saída do vice-presidente Michel Temer, pelas suas palavras, do “varejo das articulações”, pode ter sido um indício de que, aparentemente, o PMDB esteja de saída do governo. Em verdade, na prática deve continuar pressionando, barganhando, por cargos políticos, ministérios, esferas de influência.
Recentemente, a presidente, tentando abafar a crise, anunciou uma “ampla” reforma administrativa, com corte de até dez ministérios, incluindo aqui o BACEN. Ou seja, na verdade, seriam apenas nove ministérios a serem extintos, pois o BACEN nunca foi ministério, embora o presidente tivesse este status para fugir das pressões políticas. Nestas reformas, antigas secretarias seriam recriadas e fundidas com seus ministérios de direito.
Na verdade, esta reforma, anunciada com pompa, mas com pouquíssima repercussão, mais se pareceu um rearranjo administrativo para tentar equacionar o caos gerencial existente. Estudos, inclusive, indicam que o impacto desta reforma no ajuste fiscal seria muito pequeno. Além disto, tentaríamos voltar a alguma normalidade gerencial como acontece na maioria dos países civilizados. Nos EUA, por exemplo, são 16 ministérios e o governo funciona muito bem.
Em verdade, estes excessos só retratam no que se transformou a gestão pública por estes anos, um “caos completo”. Desde o início dos anos 90, o número de ministérios só vem aumentando. No final do governo Fernando Collor (1990-1992) eram 17; no “governo tampão” de Itamar Franco (1992-1994), 19; com Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foram a 26 e nos governos Lula e Dilma Rousseff chegaram ao total de 39 ministérios, com pastas poucas expressivas como Ministério da Pesca e de Assuntos Estratégicos. Ambas, por exemplo, devem voltar a ser secretarias, incorporadas por outros ministérios.
Neste debate sobre o governo Dilma, temos também as duas casas legislativas, Câmara e Senado, adotando discursos distintos, por terem seus presidentes um diferente papel na relação com a presidente. Eduardo Cunha, presidente da Câmara, um antigo detrator e agora oposição ferrenha, e Renan Calheiros, do Senado, também detrator no passado, mas agora “amaciado” pelas promessas de alívio na Operação Lava-Jato. Com isto, vem facilitando vários trâmites, já tendo aprovado a medida de desoneração da folha de pagamentos e proposto, mais recentemente, uma pauta mais positiva, a “Agenda Brasil”, para tentar tirar o país do atoleiro em que encontra.
Renan também pode ser encarado como importante para tentar travar qualquer tentativa de fazer avançar o impeachment pelo TCU, em análise das contas públicas de 2104 (deve divulgar os resultados dia 11/9). Muitos argumentam que no Senado esta votação sobre a avaliação do TCU, caso negativa, reprovando as contas, acabaria perdendo força.
É neste cenário, portanto, que tentaremos enxergar o que deve acontecer com o governo da Presidente Dilma e o país nos próximos meses. Será que ela sofrerá impeachment, tanto por decisões do TCU ou pelo TSE? Optará pela renúncia? Ou deve se aguentar até o final do mandato, em 2018, mesmo que “sangrando” e com a popularidade em baixa histórica (em pesquisa da Datafolha Dilma foi colocada no pior patamar desde o início da Nova República, em 1985)? Neste momento é muito difícil enxergar alguma saída. Alguns analistas acham que as eleições municipais de 2016 podem ser encaradas como decisivas, pois servirão para “desidratar” mais o PT, piorando ainda mais a capacidade da presidente atravessar estes duros anos que se avizinham.
Pelos últimos acontecimentos, tendemos a achar que aumentam as chances da presidente terminar o mandato, mesmo que bem desgastada. Nossa distribuição de probabilidades, portanto, passa pelo impeachment, tanto pelo TCU como pelo TSE (30%), pela renúncia (30%) e, por fim, pela manutenção da presidente até o final do mandato, mesmo que muito desgastada (40%).
Não podemos esquecer também dos riscos externos, antes mais restritos aos EUA, no seu ciclo de juros, agora estendidos à preocupante situação da China, se confrontando com uma desaceleração, não se sabe se gradual, no chamado soft landing, ou abruta, no hard landing. Este país cresceu 7,4% e pelas mudanças de modelo, agora mais focado no consumo, dificilmente deve crescer mais do que 6,5% nos próximos anos. Já existem casas estimando 5,5% entre 2015 e 2016. Com isto, menor será a demanda deste país por commodities, o que deve impactar ainda mais nas exportações brasileiras, tão dependentes do mercado chinês (20% do total da nossa pauta). É neste ambiente conturbado, para alguns uma “longa transição”, que tentaremos enxergar como deve caminhar a economia brasileira neste ano e no próximo.
Crescimento do PIB– Nem pensar em retomada do crescimento, pelo menos neste ano. Com muito otimismo, caso Joaquim Levy se aguente neste governo, e consiga algum ajuste fiscal, dá para visualizar algum respiro para fins de 2016. A confiança dos agentes, na bacia das almas, depois de tantos descalabros fiscais, decisões desastradas, desencontros, não permitem um olhar muito claro sobre a economia se recuperando. Neste ano, parece certo uma recessão profunda, com o PIB ainda devendo recuar mais de 3% no terceiro trimestre, depois de -2,6% no segundo e -1,6% no primeiro.
No recuo deste segundo trimestre, a indústria, 12% a 13% do PIB, teve um papel importante, recuando 4,3% contra o trimestre anterior e 5,2% contra o mesmo do ano passado. Nesta, as indústrias de base e de bens duráveis acabaram mais afetadas, influenciadas pelo recuo de 11,9% dos investimentos e de 2,7% no consumo das famílias. Como o desemprego deve passar de 8% da PEA neste ano, a renda segue desacelerando e a inflação, acima de 9%, não será surpresa se o terceiro trimestre afundar ainda mais a economia. Ao fim deste ano, por enquanto, estamos projetando o PIB recuando 2,5% e em 2016 algo entre 0,5% e 1,0%.
Este cenário descrito acima vislumbra o governo se mantendo neste ano e no próximo. Na hipótese de um impeachment ou da renúncia da presidente, acreditamos que haveria um período de vácuo político, mas depois, em mobilização nacional, seria encontrada uma saída institucional para um governo de união que começaria a tentar colocar “ordem na casa”. Dependente de quem fosse o herdeiro deste espólio deixado pelo PT, o mais importante, o maior desafio, seria reconquistar a confiança dos agentes, algo impensável neste momento. A reversão da recessão na economia, portanto, dependeria desta capacidade de costurar acordos e formar consensos, tal e qual Tancredo Neves buscou fazer, no alvorecer da Nova República, entre 1984 e 1985. O problema é que não existe, atualmente, no mundo político ninguém com esta envergadura.
Preços chaves da economia– Como estamos em recessão, é possível que a inflação perca força no restante deste ano e recue mais forte no primeiro trimestre de 2016, dado o fim da contaminação do realinhamento dos preços administrados. Sendo assim, o IPCA oscilaria entre 9% e 9,5% até dezembro deste ano para depois recuar a algo entre 7,5% ao longo de 2016 e fechar próximo a 6%.
Neste meio do caminho, a taxa básica de juros, mantida em 14,25%, deve começar a ser reduzida ao longo do ano que vem, desde que, é claro, o ajuste fiscal também avance, reduzindo um pouco a pressão sobre a demanda agregada da economia. Neste cenário, o juro seria reduzido a 12,5% ao fim de 2016. Cabe salientar a forte influência dos preços administrados em 2015, em 12 meses acima de 14%, ao contrário de 2014, quando os itens mais importantes de pressão foram alimentos e serviços. Este último, inclusive, pela recessão na economia, aumento do desemprego e perda de renda, deve começar a perder força, dos atuais 8% a 8,5% em média nos últimos meses, para cerca de 6% a 6,5%.
Salientemos também que a taxa de câmbio, embora neste momento reflexo de um momento de intensa volatilidade e incertezas, deve ceder um pouco para fechar o ano de 2015, entre R$ 3,45 e R$ 2,50. Neste contexto, o BACEN, detentor de US$ 370 bilhões em reservas cambiais, deve continuar rolando integralmente os vencimentos de contratos de swap, hoje em torno de US$ 110 bilhões. Não descartamos também o uso de reservas no mercado a vista, embora isto possa espelhar para os mercados, alguma fragilidade maior. O fato é a taxa de câmbio se descolou totalmente neste ano, numa depreciação em torno de 35%, como podemos observar no gráfico a seguir, não descartando também pressões pelo início do ciclo de juro mais alto do Fed, talvez ao fim deste ano ou início do próximo.
Sobre os outros fundamentos, temos o mercado de trabalho se deteriorando a olhos vistos, com as taxas de desocupação da PME e da PNAD Contínua, ameaçando passar de 8,5% da PEA neste ano e de 9,0% em 2016, o setor público, em deterioração, parecendo pouco crível uma reversão pelo menos neste ano, dada a baixa arrecadação, e o consolo das contas externas em recuperação, causadas pela recuperação da balança comercial, muito mais pelo recuo das importações do que pela reação das exportações, inexistente neste momento, devido à perda de força das commodities agrícolas e minerais. Sendo assim, estimando o saldo em conta corrente entre US$ 80 bilhões e US$ 84 bilhões neste ano, e o saldo comercial, acima de US$ 7 bilhões neste ano e podendo chegar a US$ 12 bilhões em 2016.
Voltando às contas públicas, será um desafio o governo obter alguma travessia calma neste ano e no próximo, com este já parecendo perdido, aumentando em muito as chances de déficit fiscal. Em 2016, com as possibilidades de novas receitas, pela venda de ativos, novos impostos, alíquotas elevadas e alguns cortes de despesas obrigatórias, tal pode se reverter. Neste elenco de medidas, devemos lembrar o debate em torno da CPMF, as vendas de participações na BR Distribuidoras e IRB e das outorgas das concessões, em especial em energia elétrica. Com muito otimismo, isto poderá propiciar um saldo primário em torno de 0,4% a 0,5% do PIB no ano que vem.
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