Uma semana de governo. Faz tempo que a campanha eleitoral acabou. No poder, Jair Bolsonaro começa a descobrir que, para governar, precisa dominar as engrenagens do poder.
O começo foi atabalhoado. O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, decidiu “despetizar” seu ministério e exonerar todos os 320 ocupantes de cargos de confiança.
É louvável a intenção de desaparelhar o Estado, mais ainda a de reduzir o número absurdo de postos nomeados pela caneta presidencial – ao todo, em torno de 24 mil. Mas a medida de Onyx é um despropósito.
Primeiro, porque o PT já saiu do governo há quase dois anos. Segundo, porque ideologia não deve ser critério nem para contratação nem para demissão no fucionalismo. O critério deve ser competência técnica.
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O próprio Onyx pagou o preço de seu arroubo ideológico. Diante da situação esdrúxula, nenhum funcionário do ministério quis assinar os pareceres que garantiriam a constitucionalidade da medida que manteve benefícios fiscais a estados do Norte e Nordeste.
Foi essa a origem da primeira bateção de cabeça do governo Bolsonaro. Para compensar os benefícios, foi cogitado o aumento das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A medida chegou a ser anunciada pelo próprio Bolsonaro, para ser desmentida logo depois pelo secretário da Receita, Marcos Cintra.
O episódio deu ao menos a oportunidade ao ministro da Transparência, Wagner Rosário, para apresentar uma proposta de legislação com critérios técnicos para a indicação de cargos de confiança. Era nela que Onyx deveria se concentrar, em vez de governar para ganhar aplausos e curtidas nas redes sociais.
O trabalho de muitos dos técnicos que demitiu é necessário para que seu próprio ministério funcione. Nada mais infenso à ideologia que as engrenagens do poder.
Bolsonaro também descobre aos poucos a falta que faz uma estrutura profissional de comunicação. Ele venceu a eleição fazendo campanha pelo WhatsApp, atacando os políticos tradicionais e dizendo que os males do país estariam resolvidos com o capitão no poder.
Até agora, porém, o brasileiro não tem ideia de sua proposta para a reforma da Previdência. Em entrevista ao SBT, ele mencionou uma idade mínima de 62 anos para homens e 57 para mulheres – inferior à sugerida no projeto do governo Michel Temer que tramita no Congresso.
O mercado ficou assustado. Esperava que a reforma resultasse num esforço fiscal no mínimo equivalente ao da já diluída proposta de Temer. A indefinição levou o ministro da Economia, Paulo Guedes, a submergir na última sexta-feira e ao longo do fim de semana.
A reforma da Previdência é a mais urgente medida exigida do governo. Representa o compromisso com o ajuste fiscal e um primeiro passo para a readequação do Estado brasileiro a um tamanho que a sociedade consiga pagar.
Representa também uma fonte potencial de conflitos no Congresso, já que mexe com grupos de interesse poderosos como sindicatos, funcionalismo, Judiciário e Ministério Público. Os últimos três governos tentaram reformar a Previdência sem sucesso.
Bolsonaro tem o voto de confiança da sociedade para isso, além de um momento de força, logo no início do governo, em que conta com a boa vontade de todos em Brasília. Sua base na Câmara deverá ser sólida e não será difícil obter apoio entre os senadores para uma reforma considerada essencial mesmo por partidos da oposição.
Só que ele não pode queimar sua imagem logo na largada, disparando informações desencontradas que deixam vendido – e desacorçoado – seu ministro mais poderoso. De que adianta o mercado confiar em Guedes, se Bolsonaro pode desautorizá-lo a qualquer momento?
Eis a falta que faz uma equipe de comunicação profissional, capaz de identificar o momento ideal de transmitir as notícias e de informá-las de modo unívoco e eficaz. Sem ela, fica transparente a bateção de cabeça inerente a qualquer governo. Mesmo deslizes corriqueiros ou frases descuidadas adquirem proporção gigantesca. Como Onyx, Bolsonaro precisará aprender que não pode governar só para as redes sociais.
Fonte: “G1”, 07/01/2019