Se não houvesse obrigatoriedade de gastar 25% das receitas em educação, o que você, prefeito ou governador, faria? E você sindicalista? A pergunta é pertinente em tempo de ajuste fiscal e a questão tem até nome – orçamento de base zero.
O fato é que o discurso e as ações do governo federal e do Congresso Nacional na área de educação vão na direção contrária à necessidade real de um ajuste fiscal acompanhado de reformas estruturais no gasto público. A partir da aprovação do Plano Nacional da Educação (PNE), o Ministério da Educação, a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, alguns movimentos e ONGs, comandados por ilustres expoentes do empresariado nacional, empreendem o que parece ser uma corrida de 100 metros rasos para comprometer recursos de forma cada vez mais amarrada para o setor. Cada meta do PNE que é regulamentada cria amarras de recursos para sua execução, garantindo desde já o aumento da ineficiência.
Alguns economistas – e este escriba – mostram-se incomodados com esse avanço sobre os recursos, o que cria dificuldades para as futuras gerações. Se já não há receita para fazer face aos compromissos atuais, como aumentar o nível do comprometimento financeiro? E o pior é que esses novos recursos do PIB para a educação em nada contribuirão para melhorar a qualidade do ensino. Não é sensato deixar como legado essa armadilha.
Não há nada no Plano e nos seus 200 indicadores que incentive a busca da eficiência. Ao contrário. O MEC, no início de setembro, alertou para a falta de professores de ensino médio. Será? Façamos a conta para entender a falácia. Hoje, são cerca de 507 mil professores de ensino médio para 9 milhões de alunos. Isso representa um professor para cada 17 alunos. Como o ensino no Brasil é em tempo parcial, temos um professor para cada 8,5 alunos, pois o profissional em tese poderia ministrar aulas em dois turnos. Daqui a 25 anos, com a redução do crescimento demográfico, teremos uma demanda para o ensino médio inferior a 6 milhões de alunos. Na base de um professor para cada 30 alunos teríamos a necessidade de 200 mil professores, em média, para as diferentes disciplinas. Ou 100 mil, se trabalhassem em turno dobrado.
Faltam professores? Ou falta gestão eficiente de escolas, cargas horárias e flexibilidade para atrair pessoas com diferentes (e boas) formações para o magistério? Isso sem falar que parte expressiva dos alunos dessa etapa de ensino poderiam ter mestres de ofício como professores. Deu para entender?
Há um descalabro nos gastos da educação. E não se trata apenas de má gestão. A ineficiência é sobretudo consequência de políticas equivocadas, vinculações e amarrações de gastos e de legislação motivada exclusivamente por interesses corporativistas.
Um debate sério sobre a questão tanto pode começar pelo presente quanto pelo futuro. Se o horizonte é o futuro, é preciso avaliar que, com a redução dramática da população escolar nos próximos 25 anos, o Brasil poderia gastar apenas 5% do PIB(inho) com educação básica e pagar o dobro do que atualmente destina a seus professores. Claro que isso supõe uma gestão eficiente. Isso sem falar na possibilidade de um crescimento real do PIB(ão), que poderia tornar a massa de recursos ainda maior. Se isso é possível – e 25 anos estão ali atrás da curva – o que justificaria engessar 10% do PIB para o setor? Ou melhor, para grupos que irão se beneficiar disso sem que isso permita sequer criar novas e atraentes carreiras para professores bem qualificados?
Da ótica do presente, da forma projetada pelo PNE para gastar os 10% do PIB, a ineficiência atual irá aumentar e a qualidade do gasto e da educação dificilmente será afetada. Há várias razões para isso, mas uma basta: a maior parte dos recursos será usada com o atual plantel de professores, e não para atrair jovens promissores para o magistério. E não há nada – nas 20 metas do PNE e nos seus mais de 200 indicadores – que incentive a busca da eficiência. Pelo contrário.
O PNE é fruto de um sistema de governo e da cooptação dos grupos sociais operados com maestria, primeiro sob a capa de oposição e, mais recentemente, com as benesses do patrocínio do governo. A ideia de que é bom gastar mais com educação foi tomada como carro-chefe do movimento e dificilmente pode ser contestada, sob pena de massacre imediato de quem a ela se opuser. Aceita a ideia, o resto é recheio e receita para dividir o butim. A oposição fingia que não sabia disso, durante a discussão da lei, e continua fingindo, mesmo diante da atual crise. Tudo que se vê é açodamento e pressa para “regulamentar e cumprir as metas do PNE”. E ao mesmo tempo se reduzem os recursos do Sistema S, um dos poucos baluartes da educação de qualidade no país. Parece até punição pelo 1º lugar na Worldskills!
Até aqui um argumento invocado para não encetar o debate apresentado pelas lideranças sensíveis à voz da racionalidade era a dificuldade de discutir desvinculação de recursos para a educação sem falar em desvinculação em outras áreas do governo. Governos municipais e estaduais – até muito recentemente – continuavam acreditando que o governo federal viria em seu socorro na hora do aperto. No máximo há movimentos – como os da Confederação Nacional dos Municípios – para vincular aumento de encargos aos municípios ao compromisso de apoio financeiro da viúva. E o diligente ministro Levy parece acreditar que o açodamento legislativo é passatempo inconsequente dos congressistas.
A festa acabou antes de começar. Este governo, com sua forma de governar, não tem particular apreço pelo confronto de ideias. O aparelhamento que tomou conta do Estado – e também em grande parte das universidades – não deixa espaço para uma conversa séria a respeito de nada. Resta esperar que os empresários, supostamente interessados numa economia estável e recursos humanos qualificados, deem guarida a debate profundo sobre a importante questão.
Fonte: Valor Econômico, 8/10/2015
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