Com o estabelecimento do padrão dólar em Bretton Woods e diante de uma Europa devastada pelos horrores da guerra, o mundo ocidental viu o surgir de uma estratégica ascensão americana, através de uma pauta de dominação bélica associada a acordos comerciais expansionistas. Com o fim da Guerra Fria e, em especial, com a queda do Muro de Berlim, a ordem global assistiu à afirmação hegemônica dos EUA e o fim da bipolaridade estabelecida com o bloco soviético. Durante praticamente duas décadas, o liberalismo americano vicejou de forma absoluta, sem adversários ou ameaças substantivas, gerando uma era de grande estabilidade, crescimento econômico e desenvolvimento tecnológico superlativo.
Como num sopro, a vida mudou. A queda das Torres Gêmeas apresentou a ameaça terrorista. Poucos anos depois, a bancarrota do Lehman Brothers expôs as vísceras de um sistema financeiro descontroladamente alavancado e geneticamente corrompido por instrumentos de crédito fictícios. A ação rápida do FED garantiu a liquidez do sistema bancário, inundando o mundo com dólares a rodo. No entanto, quando aquilo que é escasso se torna farto, há uma inerente perda de valor monetário. E, assim, velhos players foram se reorganizando para mostrar as unhas em um dinâmico e imprevisível tabuleiro mundial, com renovadas peças da China, Europa, Rússia e uma boa parte do eixo Ásia-Pacífico.
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Uma ordem pós-liberal
A hora do homem de Estado
Em recente artigo na The Economist, a inteligência superior de Yuval Noah Harari apontou para a urgência de uma ordem política pós-liberal, baseada na cooperação internacional e não, em conflitos armados, clamando para o enfrentar de três graves desafios contemporâneos: risco nuclear, mudanças climáticas e disrupção tecnológica. Infelizmente, isso tudo é distante para nós. Enquanto o mundo discute o futuro, a América Latina tenta vencer as amarras do passado.
No Brasil, temos o paradoxo de tentar ser pós-liberais, desconhecendo o que foi o próprio liberalismo. Infelizmente, nossa cultura, em vez do livre mercado, sempre privilegiou o estatismo patrimonialista. Na verdade, somos um Estado pagão: paga tudo e qualquer coisa, sem se preocupar em gerar receitas que garantam o adimplemento subsequente. Não é à toa, portanto, que o dinheiro acabou em nosso federalismo falido.
Ora, a conhecida máxima de que é preciso enriquecer antes de envelhecer passou batida em nosso país. A insensatez política e a irresponsabilidade governamental gerou um passivo previdenciário impagável, escorado em direitos adquiridos impossíveis. Sim, o pressuposto fático da aquisição de um direito é sua possibilidade jurídica. Mas vivemos em um país atípico: aqui, negociam-se medidas provisórias para se garantir injustiças perpétuas.
+ de Sebastião Ventura: “Estamos diante de um flagrante oportunismo legislativo”
Sem cortinas, o surgimento eficaz de um ordem pós-liberal tem como pressuposto o nascer de novas estruturas de poder que sejam aptas e capazes de satisfazer os pulsantes anseios da sociedade contemporânea. A tecnologia da informação deu voz aos invisíveis, habilitando-os a participar no fluído ecossistema das redes sociais. A partir daí, os tradicionais mecanismos de controle das massas viraram pó, quebrando a bússola de navegação dos puídos instrumentos da política. Vivemos, assim, uma ebulição democrática com políticos da Era Glacial.
Por tudo, os arranjos institucionais do século 21 estão em processo de formação. Se existe uma considerável dose de certeza com relação ao que não queremos, ainda não há um consenso razoável sobre os métodos e formas de poder que irão pautar a sociedade democrática. Todavia, é óbvio que o futuro não pertencerá a um falido Estado pagão. A questão é: será que o nosso povo quer pagar o preço de ser livre para prosperar ou será que seguiremos pobres e empobrecendo?
Fonte: “Estado de Minas”, 15/11/2018