O fator previdenciário tem sido uma das coisas mais incompreendidas e criticadas do país. Isso não é difícil de entender: coloque-se qualquer tema em discussão, com 99 de cada 100 pessoas criticando duramente o assunto e, quando consultada, a opinião pública obviamente será sensível a esses questionamentos e a grande maioria dos entrevistados também se somará à legião dos críticos. A razão dessa desproporção é a demagogia com a qual os sucessivos governos trataram do assunto ao longo dos anos.
O fator previdenciário nada mais é do que um redutor aplicado às aposentadorias precoces. Os críticos argumentam que quem se aposenta cedo “perde” x % de aposentadoria. O argumento é incorreto. Na grande maioria dos países, o indivíduo simplesmente não pode se aposentar abaixo de determinada idade. Aqui no Brasil as pessoas podem se aposentar aos 52 ou 53 anos e, por estarem sujeitas à incidência do fator previdenciário, reclamam e se consideram injustiçadas, quando na enorme maioria dos países do mundo a aposentadoria seria impossível antes dos 60 anos de idade ou até mais (ou seja, é como se o fator previdenciário fosse zero e não 0,7 ou 0,8).
Vale registrar que, aos 60 anos, quem tiver 40 anos de contribuição se aposentará com um fator previdenciário de 0,97, se for um homem e de 1,10, caso se trate de uma mulher. Se poucas pessoas alcançam essa contribuição, é apenas porque a aposentadoria é obtida antes. Em geral, quem se aposenta por tempo de contribuição tem históricos contributivos longos para uma mesma empresa e passa pouco tempo desempregado ao longo da vida ativa. Quem começa a trabalhar cedo, muitas vezes, paradoxalmente acaba se aposentando mais tarde e por idade, pelo fato de, tipicamente, passar muito tempo desempregado ou na informalidade.
Devido à pressão contrária ao fator previdenciário, em junho de 2015 o governo Dilma Rousseff enviou ao Congresso uma Medida Provisória, portanto com validade imediata, adotando a chamada “regra do 85/95”, que foi posteriormente transformada na Lei 13.183/2015. Por ela, quem somasse 95 anos entre idade e período contributivo, se homem, ou 85, se mulher, poderia ser dispensado da incidência do fator previdenciário. Como este era inferior à unidade para esse tipo de situações, quem tivesse alcançado as condições de elegibilidade poderia passar a se aposentar, a partir de então, com uma aposentadoria significativamente superior à de quem se aposentava com base na regra vigente até então, baseada no fator previdenciário.
Tivemos então um desses casos interessantes para a análise econômica, em que há a incidência de um fenômeno claramente datado, com estatísticas que permitem capturar o efeito imediato do fenômeno e dividir o período entre um “antes” e um “depois” do evento. Nesse sentido, os dados registrados mês e mês no Boletim Estatístico da Previdência Social (BEPS) não permitem a menor margem para dúvidas: a medida, claramente, aumentou a desigualdade e piorou as contas fiscais.
A renda média das pessoas ativas com rendimento situadas no oitavo décimo da distribuição de renda na Pnad de 2015 era de R$ 1.822. A preços de setembro de 2016 (deflator: INPC) isso correspondia a R$ 1.989. Em setembro de 2016, a média das novas concessões de aposentadoria por tempo de contribuição (TC) foi de R$ 2.308, superior à renda média do oitavo décimo da distribuição de renda e equivalente a 2,1 vezes a média do valor por idade e 1,7 vezes a média do valor por invalidez.
Com a MP, a partir de julho/2015, o valor médio das novas concessões de aposentadorias por TC deu um salto. Na comparação com os 12 meses julho 2014/junho 2015, o valor real médio dos 12 meses julho 2015/junho 2016 das novas aposentadorias por idade aumentou 1%, enquanto o das novas aposentadorias por TC cresceu 14% (ver tabela).
Em 2016, o IBGE informa que o número de brasileiros entre 15 e 59 anos é de 134 milhões de pessoas e com 60 anos e mais, de 25 milhões. Em 2050, tais grupos serão de 128 milhões e 66 milhões, respectivamente. Haverá menos gente no primeiro grupo e o segundo se multiplicará por um fator superior a 2,5. Para nossos filhos, sustentar essa situação já será um desafio enorme. O que o Brasil fez com a lei aprovada em 2015 foi aumentar o tamanho do problema, fazendo que os futuros aposentados por TC custem bem mais aos cofres públicos que os da geração anterior. Para o país, foi um tiro no pé – um tiro de bazuca.
Essa lei foi um dos maiores erros aprovados na fase de divórcio com a racionalidade que o Brasil viveu em 2015. Por que trago este tema hoje para o leitor? Porque a lei continuará sangrando os cofres públicos no caso da PEC previdenciária não ser aprovada.
Fonte: “Valor econômico”, 14 de novembro de 2016.
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