A partir de interceptações telefônicas e de mensagens digitais, bem como amparado em elementos documentais de investigações em curso, a força-tarefa Lava-Jato, sediada em Curitiba (PR), encaminhou ofício à Procuradoria Geral da República, suscitando possível impedimento ou suspeição do eminente ministro Gilmar Mendes em feitos relacionados ao interesse jurídico do ex-senador Aloysio Nunes Ferreira Filho e Paulo Ferreira de Souza. O fato traduz matéria absolutamente delicada, ensejando uma análise pautada pela firme objetividade da lei.
Ora, em triste época de criminalização da política, o Supremo está sendo chamado a atuar em diversas ações de natureza penal. Nesse contexto, seria ingenuidade supor que, nos círculos restritos de Brasília, não fosse possível a existência de vínculos de cordialidade entre as autoridades dos mais diversos poderes. Logo, pode acontecer de um ministro ser sorteado para julgar um conhecido ou algum amigo. Daí as hipóteses legais, em rol taxativo, de impedimento ou suspeição de magistrados.
Sobre o ponto, convém lembrar precedente histórico da Suprema Corte, em sessão plenária, quando o ilustre ministro Victor Nunes Leal fez questão de consignar que “é dever do juiz declarar-se suspeito, ou impedido, quando o for” (HC n. 40.205, DJ. 13.12.1963). Tal dever público procura assegurar a necessária neutralidade do juiz frente aos fatos da causa, bem como a imparcial aplicação da lei. No fundo, antes de um dever pessoal, trata-se de medida de garantia da inegociável honra do Poder Judiciário, cuja sublime autoridade de suas decisões não pode ser tisnada por traços subjetivos de afetividade pessoal.
É de se esperar, portanto, que o alto exercício da suprema magistratura seja desempenhado por homens e mulheres capazes de se distanciarem de processos acesos ao calor das paixões, boas ou más. Agora, poderia a Lava-Jato interceptar ligações de um gabinete supremo sem autorização judicial específica? Enfim, há complexidades nebulosas que a boa interpretação constitucional haverá de responder.
Fonte: “Gaúcha ZH”, 07/03/2019