Escrevo este artigo na condição de advogada voluntária de partidos políticos perante o STF em razão de não conseguir ficar inerte diante da política de cotas raciais no Brasil.
A política de cotas raciais foi criada nos Estados Unidos pelo então presidente Nixon. Republicano, racista e conservador, Nixon realmente não se enquadrava como legítimo representante dos anseios de qualquer minoria. O que motivou a política de cotas raciais nos EUA foi a situação de caos e de violência instalados naquele país no fim da década de 60. Após a abolição da escravatura, seguiu-se um século de segregação racial institucionalizada. Os conflitos raciais surgiram justamente após o Estado ter legislado com base na raça, dividindo direitos em razão da cor da pele. Do hospital em que o bebê nascia, até o cemitério onde seria enterrado, todas as instituições sociais eram rigidamente separadas pela cor. Por tal motivo, até hoje o país se ressente pelo fato de haver construído uma sociedade polarizada e dividida entre valores pertencentes aos negros e valores do branco, com cultura e ambientes próprios. Mesmo assim, nos EUA, as cotas vigoraram por menos de dez anos e foram logo declaradas inconstitucionais pela Suprema Corte.
Existem inúmeras dificuldades para a importação do modelo: (1) no Brasil, nunca houve uma política de segregação institucionalizada após a abolição da escravatura. Nesse sentido, ser negro no Brasil não significa ter uma barreira intransponível para acesso a cargos de prestígio, como aconteceu alhures. Nos EUA, pouco importava a renda: ao negro, ainda que rico, era vedado o acesso. Por aqui, a duras penas, conseguimos formar uma sociedade na qual são compartilhados todos os valores, com a formação de uma única identidade nacional; (2) o grande problema a impedir os negros no Brasil de assumirem postos sociais de destaque é a pobreza: 70% dos pobres no Brasil são negros. Se o problema de fato fosse o racismo, os negros seriam a maioria em concursos públicos, mas infelizmente não são porque não conseguem ter acesso ao preparo adequado, por serem pobres. Neste sentido, devemos implementar uma política de cotas sociais para acesso às universidades: por meio delas, os negros que mais precisam da ajuda estatal serão integrados, sem haver o risco da polarização entre duas “raças” distintas; (3) para se implementar uma política de distribuição de direitos, é preciso haver um critério objetivo para identificação dos beneficiários. Talvez aqui resida o maior problema para a cota racial: nunca houve neste país um critério objetivo para identificação do negro, considerando que esta categoria é a soma de pretos mais pardos. Nos EUA, a política foi conduzida a partir do critério objetivo da gota de sangue, na qual bastava uma gota de “sangue negro” na ascendência do indivíduo para que este também fosse considerado negro, apesar de na aparência poder ser louro dos olhos azuis. Desta forma, muitas instituições que adotaram a política de cotas raciais no Brasil resolveram instituir “Tribunais Raciais” de composição secreta e que com base em critérios secretos “magicamente” decidem quem é pardo e quem é branco no país; (4) o racismo existente no Brasil se combate com punição exemplar. Não podemos tolerar o racismo. Entretanto, o mito sobre a existência de raças humanas é relativamente recente. As primeiras classificações raciais são do século XVIII. A recente decodificação do genoma humano mostra que biologicamente raças humanas não existem: somos todos igualmente diferentes. Tal como a crença nas bruxas, é preciso desmistificar a crença em raças! Ora, se o Estado pretender legislar com base na “raça”, em vez de enfraquecer o mito, termina-se por fortalecê-lo, perpetuando a crença que legitimou o racismo.
Nós não precisamos copiar um modelo que foi pensado para resolver problemas de outras realidades. Podemos ser criativos e instituir um modelo próprio de ação afirmativa, à brasileira, para integrar aqueles que mais precisam da ajuda estatal, sem corrermos os riscos do incentivo ao ódio, à instituição de identidades paralelas e à racialização do país. Cotas sociais sim, porque a pobreza, no Brasil, é a verdadeira causa da segregação.
Fonte: O Globo, 21/09/2011
- Leia também o artigo “Eu sou mais que a minha cor!“, de Roberta Kaufmann
- Conheça o livro “Uma gota de sangue – História do pensamento racial“, do sociólogo Demétrio Magnoli
- Assista ao vídeo “Política de cotas“, com a professora Mônica Grin, que acredita nas consequências negativas que o Estatuto da Igualdade Racial pode produzir na sociedade brasileira
Estou de pleno acordo com a autora, em poucas palavras pra mim raça é coisa de cachorro, e como foi citado é biologicamente comprovado que o ser humano não pode ter divisão racial. Cotas sociais sim pois assim você efetivamente resolve um problema social, cotas raciais além de promover descriminação não atua na sociedade como um todo e ainda abre portas para certas “fraudes” podemos assim dizer.
Claro (sem ironias), Roberta! Inteiramente de acordo com o que diz porque sensato. Agora vá lá convencer a horda de hunos racialistas – que se abateu sobre nós – dessa sensatez. Muitos deles inclusive vivem literalmente da política racial, trabalhando nos governos como especialistas no assunto,supostamente para combater o racismo. Mas o negócio é não desanimar. Não vão nos dividir sem luta.
Cotas sociais são tão imorais quanto cotas raciais.
Escrevi uma resposta a esse artigo aqui: http://www.pliber.org.br/Blog/Details/291 (“A estranha defesa liberal ao sistema de cotas sociais”).
Concordo com a Roberta. A política de cotas é absurda. Seria mais aceitável que fosse uma proposta temporária, com prazo para terminar. Enquanto isso o governo poderia melhorar a educação geral para que todos pudessem concorrer em igualdade. A política de cotas acaba punindo aquele aluno estudioso, que obteve nota para entrar na universidade, mas cometeu o grave pecado de nascer com a pele clara.
Em prineiro não precisamos realmente copiar o modelo americano,pois ambos os mecanismo de segregação são diferentes.Querer compara-las é será um absurdo.
Outra falácia é dizer que não criamos leis racias.Criamos sim.Não por decretos,mas,discretamente criamos.Quem não se lembra da lei da vadiagem? Persiguiçoes aos cultos de origem africana? Tanto que o escritor Jorge Amado,fez um decreto proibindo a reepressao a esses cultos.
Continuando…….
Por que o Vasco da Gama foi punido pela federação de futebol na década de 20? Existem outros exemplos.
Querer tercerizar o problema do racismo para outras pessoas é muito fácil,o dificil é assumirmos que somos também um sociedade racistas,machistas,partenalistas e homofobica.
Os Estados unidos,continua sendo um país racista,porém eles assumem.Aqui vivemos na condição de um sociedade sem preconceitos.
Estamos jogando fora um ótimo debate.
Continuando….
Estamos falando de quem é a favor das cotas é racialista.Que pena. Vindo de pessoas tão inteligente é uma perda de tempo.
As cotas não são permanentes,todos nós sabemos disso.Porém e o primeiro passo para combater as desigualdades raciais que existe e insiste nesse país.
Viva o debate!!
a lei da vadiagem era somente para negros?!
Caso não entendeu Ana, essa lei tinha como objetivo de punir aqueles que estavam desempregados,tanto que para poder identicar esses”vadios”,bastava ter a mão lisinha para ser preso. Essa lei foi aplicada apos abolição.
Aí vem uma pergunta:quem eram a maioria desse desempregado?
Se estudarmos a sério a história do Brasil,talvez nem,eu,estaria aqui escrevendo.
As tecnicas de segregação brasileira é muito diferente da nossa,bem mais sútil.
O artigo é muito bom. Pena que os que dele discordem, não tenham argumentos à altura daqueles apresentados no texto. Citar exemplos de racismo do início do século passado, sejam eles relacionados à composição de times de futebol ou à liberdade de culto, em nada contribuem para o debate. Tais restrições não existem mais. E no mais, a autora não nega a existência de racismo no Brasil. Caso alguns não tenham entendido, a autora confirma a existência de racismo no Brasil, mas conclui que legislar…
Excelente artigo.
Excelente artigo. Objetivo e bem fundamentado. Não vejo relevância nos argumentos levantados por alguns comentadores que se referem a práticas racistas do início do século XX, sejam estas relacionadas à composição de times de futebol ou à liberdade de culto. Estas restrições não existem mais no Brasil. E, além disso, a autora não refuta a existência de racismo. Ao contrário, ela alerta para a possibilidade de agravamento do problema diante da insistência em se legislar com base na raça. Só isso.
A autora disse que o Brasil nunca houve leis racias por parte do Estado.Certo.Reforço naquilo que disse que que o Brasil fez de maneira não explicita sua segregação bem diferente as praticadas nos E.U.A e África do Sul. O racismo práticado aqui não pode ser comparado com esses países.
Vivemos numa sociedade divida e não será as cotas que ira dividi-las.
O debate está mal feito,os antiracista se consireram acima do bem e os favoraveis as cotas são agitadores,um falso argumento.
Não tenho culpa que os demais tenham entendindo ou não gostaram,afinal de conta faço os meus comentários sem querer agradar A OU B.
queria entender porque o
fabio nogueira é contra as cotas sociais.
com isso atingiria muitíssimos negros
e também brancos pobres, que sao milhoes…
ou alguém acha que nao existam brancos pobres?
porque eles devem perder a vaga conquistada.
o que eles fizeram?
eles sao culpados por crimes cometidos
no século XIX por uma elite internacional?
Precisamos entender que as cotas segregam, mais do agregam. É de conhecimento de todos nós que, a classe mais pobre do brasil é negra, ocasionada por conta do prejuízo que os negros obtiveram durante a escravidão e pós-escravidão. A politíca de cotas é apenas um paliativo para tentar esconder o descaso dos governantes ao longo das décadas no brasil.
Só pra refletir: É preciso ter uma classe de miseráveis para que o princípe use de misericórdia para com eles – Assim disse Maquiável.
Pelos texto e comentários que li, o Brasil é uma maravilha…basta continuar como está, que estará tudo bem…
São negros que não deveriam aceitar as cotas raciais…e são pobres que não deveriam aceitar as cotas sociais…
Analisando os textos a miúde, chego à conclusão que a ilustre procuradora Roberta Kauffman, bem como os comentaristas que a apoiam, não desejariam NENHUM tipo de COTAS, nem raciais, nem sociais…
Para eles, o bom mesmo é que não houvesse essas malditas cotas..CONT…
CONTINUA…
Se não há como identificar os “negros” objetivamente, tão pouco há como se identificar objetivamente os “pobres” (quem ganha R$ 1.000,00 mensais não pode ser diferenciado “objetivamente” de quem ganha R$ 1.000,01)…logo, qualquer política de benefícios sociais será injusta…
Um comentarista chegou a afirmar que as cotas acabam “punindo” o “aluno estudioso” que teve o azar de nascer de pele clara, ignorando o real azar de quem nasceu de pele negra…
CONT…
Caríssima Roberta Kaufmann, não se preocupe com uma possível onda violência por parte dos negros, pois isso não ocorrerá…já esamos há mais de 10 anos de implementação das cotas raciais na UFRGS e, até o momento, não houve nenhuma violência decorrente das cotas raciais, exceto, alguns entreveros “disfarçados” sofridos pelos negros por parte de brancos elitistas como a Sra…
À diferença do que ocorrera nos EUA, no Brasil não haverá violência, pois a sociedade brasileira sabe lidar com isso..
Políticas afirmativas tem de existir sim para amenizar certos problemas, mas o cerne da questão mesmo é a má administração das verbas públicas. Quanto tempo mais teremos que esperar para vermos uma sociedade satisfeita, com nível de vida digno de seres humanos? O Brasil não é mais uma criança para ficar engatinhando na administração de problemas que estão aí há décadas. O mundo evoluiu, ex-colônias transformaram-se em grandes potências porque souberam o caminho a seguir.
Sou contra a política de cotas raciais, mas sou a favor da indenização estatal pelo crime da escravidão. Lincoln, o melhor presidente da história dos EUA, aboliu a escravidão e depois indenizou todas as famílias negras com 5 acres de terra e condições para o seu cultivo. E aqui, o que fizemos depois de abolir a escravidão? Não faltou alguma coisa no decreto da Princesa Isabel?
Engraçado, ninguém criticou as cotas para mulheres na política. Mulheres não prestam serviço militar, Lei Maria da Penha, delegacia da mulher, etc; tudo pode para a questão de gênero. Agora, a população de pele escura-homens e mulheres-querem somente anda em paz em shoppings, cinemas, ruas, escolas,etc; e isso só será possível com a inclusão deles em todas as “camadas” da pirâmide social, para que as gerações futuras -todas as cores- fiquem acustumadas a vê-los em todas as camadas sociais. As cotas não serão eternas e todos poderemos lutar para melhorar o Ensino Público, que deve ser a bandeira de todos. Pimenta nos olhos dos outros é refresco.
Quem defende as cotas não pode estar falando sério… Queria perguntar a essas pessoas o que acham dos irmãs gêmeas que, ao serem analisadas pelos ‘tribunais raciais’ foram considerados uma negra e a outra não… Ta aí a sua maravilhosa solução… Aí o Índio, necessariamente pobre no Brasil e que é muito mais vítima que o negro, deve pensar o que? Ele vê o negro da cidade, que vai à escolas que tem um padrão mínimo de qualidade, isso sem sem contar os ricos, que fazem cursinho pré-vestibular junto com a escola pública, enquanto ele vai de piroga, duas horas remando rio acima para ir à escola, para encontrar uma palafita com dois professores para todas as matérias, onde a merenda não chega mais o que uma vez por mês, mas o negro merece benefócios, os índios não… Afinal, quem rende mais votos, não é mesmo?
Governo ridículo.
Discordo do encerramento. Ainda que menos detestáveis, as cotas sociais também são perversas; pressupõem, enganosamente, que determinado tipo de cota seja algo aceitável. Não o é. Moral e economicamente falando, é um despropósito criar qualquer método de distinção que não seja baseado no mérito. Logo, por mais bem intencionadas que sejam, as cotas sociais igualmente, em sua gênese, carregam o odioso gene do arbitrarismo, filho da injustiça.