A monarquia britânica reserva a expressão annus mirabilis para assinalar os anos de fartura e sucesso, em contraposição ao annus horribilis, no qual prevalecem as desventuras. Para a economia brasileira, setembro de 2013 pode ser tido como o mensis horribilis, pela impressionante conjunção de notícias ruins, desbancando a tradição de agosto.
A balança comercial, no período de janeiro a setembro, registrou o maior déficit desde 1998 (US$ 1,62 bilhão).
Há muito tempo o Brasil não conhecia déficit primário nas contas do setor público. Agosto nos brindou com um déficit de R$ 432 milhões, a despeito das recorrentes tentativas das autoridades fiscais de escamotear a clara tendência de deterioração das contas, desde a crise financeira de 2008, mediante discursos que pretendem desqualificar a geração de superávit primário ou práticas ridículas de “contabilidade criativa”.
A pesquisa Focus, do Banco Central, que captura previsões do mercado financeiro, elevou a projeção de inflação para 2013 de 5,81% para 5,82%, bem próximo do teto da meta inflacionária. Mais grave, para 2014 se espera uma inflação ainda maior (5,84%). Não se pode, além disso, desconhecer o represamento de vários preços de combustíveis, energia elétrica e transportes públicos. Restou evidente que o controle dos preços dos combustíveis e da energia elétrica conseguiu, tão somente, produzir danos seriíssimos à saúde financeira da Petrobrás e da Eletrobrás.
A ambígua e mal elaborada política de concessões produziu, em setembro, fracassos memoráveis: ninguém se habilitou à licitação da Rodovia BR-262, que liga Minas Gerais ao Espírito Santo; as grandes empresas norte-americanas e britânicas (Chevron, Exxon Mobil, BP e BG) não se animaram a apresentar propostas para o Campo de Libra, joia do pré-sal e primeira área a ser explorada no regime de partilha.
O Relatório de Competitividade Global do Fórum Econômico Mundial, divulgado naquele fatídico mês, mostrava que o Brasil, no cômputo geral de competitividade, caiu da 48.ª para a 56.ª posição, e, em relação à eficiência do governo, desabou da 111.ª posição para a desastrada 124.ª posição. De igual forma, a pesquisa anual do Banco Mundial sobre a facilidade para fazer negócios (Doing Business 2013) registrou que o País caiu da 128.ª para a 130.ª posição e, especificamente em relação ao pagamento de tributos, da 154.ª para uma impressionante 156.ª posição, num universo de 185 países.
O Banco Central reduziu de 2,7% para 2,5% a projeção de crescimento do PIB para 2013, mesmo considerando o pífio desempenho de 2012 (0,9%). Essa projeção é inferior à prevista para América Latina e Caribe (3%), segundo a Cepal, e somente superior à da Venezuela (1%).
Até no campo social setembro trouxe má notícia. O índice de analfabetismo, apurado em 2012 e em queda desde 1999, voltou a crescer, representando 8,7% (13,2 milhões de pessoas) da população maior de 15 anos. Ainda que esse índice tenha suscitado algumas controvérsias estatísticas, sua apuração decorre da mesma metodologia utilizada em toda a série histórica.
Tudo isso pode ser agravado com os ventos que sopram do norte. É muito provável que a política de expansão monetária dos EUA esteja chegando ao fim, implicando valorização dos juros básicos e do dólar. Para enfrentar a inflação decorrente da desvalorização do real, só restará a elevação dos juros, com repercussões na economia doméstica. Assim, o mensis horribilis pode ser o prenúncio de um annus horribilis.
É indispensável uma correção de rumos na política econômica. Sem preconizar saídas, um bom começo seria abandonar a arrogância, o voluntarismo e a fixação em surradas teses.
Martin Wolf, um dos mais abalizados economistas contemporâneos, em entrevista a O Estado de S. Paulo em 15/9/2013, observou que “expansão fiscal em países com problemas estruturais só gera inflação”. E, quanto ao Brasil, sentenciou: “O Estado brasileiro é ineficiente e corrupto”.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 03/10/2013
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