Um triste episódio interrompeu, há cerca de um ano, a extraordinária história de um museu localizado em uma estação de trem em São Paulo, o Museu da Língua Portuguesa. Acompanhei de perto os eventos, embora vivesse fora do país na ocasião, pois além de tê-lo visitado muitas vezes, participei dos esforços empreendidos para que ele fosse criado.
“Nosso museu consumiu-se em chamas”, foi o que senti quando li a notícia, não em plural majestático, mas unindo-me ao sentimento de tantos outros que o tinham como seu.
Lembrei-me de um livro da Sophie Calle, “O Eruv”, em que ela reflete sobre a apropriação afetiva de espaços públicos que ocorre quando neles vivemos momentos especiais e, assim, se tornam privados na lembrança—como a minha rua, minha praça ou a minha escola. Mas esse museu era nosso, não meu. Do Antonio Carlos de Morais Sartini que o dirigiu desde pouco depois da fundação e de todos os múltiplos parceiros que tornaram o espaço realidade.
Essa infeliz efeméride traz à tona o crescente interesse que temos por museus no Brasil. Somos ainda um país de elites incultas, de reduzido interesse pela leitura, como mostram os dados do Retrato da Leitura no Brasil, de museus acanhados e com baixa frequência, pouco apoio a orquestras e a produções teatrais, especialmente fora dos grandes centros.
Essas mesmas elites que visitam museus fora do país demoram a ir ver museus em suas cidades e, muitas vezes, nem sequer os conhecem. Mas algo começa a mudar: novos e instigantes museus foram criados, em padrão internacional, e muitos dos que foram repaginados em período recente passaram a receber um público muito maior.
Museus são espaços extraordinários de convivência entre passado e presente, não apenas por conta do seu acervo e do público, mas de mostras de períodos distintos, da evidência da impermanência de crenças, padrões estéticos e linguagens, junto com a percepção da eternidade do que nos faz humanos.
São também amplos em seus propósitos: artes visuais, ciências, cultura popular e língua podem ser apresentados a diferentes faixas etárias e ser por elas bem recebidos.
Mas o que chama atenção é como eles, como espaço não formal de educação, educam também para a cidadania. Ensinam a preservar o que é de todos e a mostrar que outros vieram antes de nós e nos deixaram importante legado material e imaterial.
Ensinam que temos que deixar o registro da nossa passagem para o futuro. A cidadania significa não só lutar por um espaço público mais justo e aberto a todos, mas também pela garantia de acesso a este legado e pela continuidade da sua construção.
Fonte: Folha de S.Paulo, 23/12/2016.
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