Na República, inexiste autoridade intocável. A legalidade é um bem de todos e a todos deve ser aplicada, sem distinção ou favores. Afinal, quando a lei é fracionada, a justiça torna-se relativa. Logo, se um eventual inquilino do Planalto está envolvido em ilícitos, pode e deve ser processado nos termos da lei, assegurando-lhe as inerentes garantias da ampla defesa e contraditório. A Constituição não é uma carta de privilégios aos poderosos, mas a lei que impõe a decência ao poder.
Pois bem. No inquérito movido contra o presidente Michel Temer, cabível registrar que a linha acusatória apresenta alguns pontos desencontrados. Veja-se nem mesmo houve perícia pela Polícia Federal do suposto áudio incriminador; tal medida de verificação de autenticidade, à luz do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF), era absolutamente necessária e incontornável. Além disso, a velocidade de conclusão da famigerada colaboração premiada igualmente chama a atenção. Ora, a celeridade processual é uma virtude, mas o açodamento acusatório, um convite a fragilidades jurídicas.
Sem cortinas, acusações gravíssimas foram feitas contra pessoas com presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF), sendo naturalmente cogente uma minuciosa e consistente análise do conteúdo relatado. Como obra de um milagre, o delator foi tido por um falador divino, quando, sabidamente, quem delata pode mentir ou omitir toda a verdade. Nesse contexto movediço, cabe à prudência judicial “recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais” (art. 4º, §8º, Lei nº 12.850/2013). Portanto, a milimétrica certeza jurídica do procedimento adotado é o pressuposto de validade da delação como meio de prova eficaz.
Em outras palavras, delações ilegais não passam de meios processuais inidôneos, não tendo qualquer validade em investigações contra terceiros. Sim, o instituto da colaboração premiada é absolutamente fundamental no combate ao crime organizado. Todavia, sua utilização não pode ser banalizada nem resultar em violações de franquias constitucionais inegociáveis. Por tudo, ainda não atingimos um necessário estado de equilíbrio jurídico, impondo à balança da Justiça o redobrado esforço na justa composição das forças do moderno direito penal brasileiro.
Fonte: “Zero Hora”, 5 de junho de 2017.
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