“A hiperinflação não vai voltar em 2015, pois o país é outro, graças ao Plano Real e às reformas que lhe sucederam. Mas, com as políticas equivocadas que o atual governo persegue em relação ao déficit externo corremos o risco de haver uma maxidesvalorização após as eleições de outubro de 2014, seguida de forte contenção monetária e fiscal para evitar o aumento da inflação. Isso provocaria recessão e desemprego em 2015”, afirma Edmar Bacha.
Este diagnóstico de Bacha, economista da PUC, bem espelha o momento que vivemos na economia brasileira. Não dá para negar o óbvio. O Plano Real, estabilizando a economia, e as várias reformas adotadas nos ciclos FHC e Lula foram essenciais para que o país atingisse outro patamar de maturidade institucional. O risco agora, no entanto, é que a virada de rumo do governo, perseguindo a tal “nova matriz macroeconômica”, pode praticamente colocar tudo a perder, ao ter adotado uma política econômica no mínimo equivocada.
No período anterior, citado por Bacha, buscou-se respeitar o chamado “tripé de política econômica”, baseado no câmbio flutuante, responsabilidade fiscal e sistema de metas de inflação. No atual, na “nova matriz macro”, defende-se a tese heterodoxa, para muitos, errada, de que seria possível crescer com fortes estímulos ao crédito e ao consumo, mesmo com pouco mais de inflação, juro reduzido de forma voluntária a um dígito, câmbio depreciado e certa tolerância com os desequilíbrios fiscal e externo.
Na visão deles, em resposta, o crescimento maior do consumo estimularia a demanda por investimentos, aumentando a arrecadação, melhorando a situação fiscal, e acabando por reduzir o impacto da inflação, pela redução do gap entre oferta e demanda. Conhecidos também como desenvolvimentistas, ligados às escolas de Economia da UNICAMP e da UFRJ, estes economistas foram críticos ferrenhos ao tripé, acusando-o de ter colocado a economia numa “armadilha do baixo crescimento” nos últimos anos, com juro alto e inflação resiliente. Mas o que foi “colocado no lugar” deu resultado?
O desempenho dos chamados fundamentos econômicos nestes últimos anos comprova que a “nova matriz macro” foi um fracasso. A economia brasileira parece uma “nau sem rumo”, as políticas são adotadas no improviso, intervenções excessivas são realizadas nos mercados (setores energético, telefonia, bancário, etc), a inflação ameaça romper o teto do intervalo superior do sistema de metas, mesmo com os preços administrados “represados”, a taxa de juros depois de recuar a 7,25% foi elevada a 10,5%, o câmbio foi depreciado em 15% no ano passado, a economia segue “rateando” num baixo crescimento entre 1,5% e 2,0% em 2013, devendo repetir em 2014, e os resultados, fiscal e externo, foram medíocres. Em 2013, o primeiro fechou abaixo da meta de 3,1% do PIB, a 1,9%, e o segundo, negativo em 3,7%, com grande piora da balança comercial e das despesas com serviços.
Não acreditamos, no entanto, que o governo venha a reconhecer seus erros, até porque 2014 é ano eleitoral, mas o mercado, se antecipando como sempre, já precifica possíveis problemas, colocando na agenda um possível rebaixamento de rating soberano do país por uma agência de classificação.
Em resposta a isto, o governo deve anunciar agora no dia 20/2 um “novo plano de vôo” para a travessia deste complicado ano de 2014. Seria uma nova meta fiscal, talvez com superávit primário entre 2,0% e 2,2% do PIB, respeitando a LDO, resultando num ajuste de R$ 50 bilhões. Sobre este ajuste em elaboração, dois objetivos claros estariam bem definidos: (1) saldo primário anunciado suficiente para estabilizar as dívidas públicas, líquida e bruta, afastando o risco de rebaixamento, e (2) Política Fiscal sendo, no mínimo, neutra para o controle da inflação.
Devemos indagar, no entanto, de onde sairiam estes ajustes, até porque grande parte das despesas gerais (90% do total) são “engessadas”, ou seja, não passíveis de corte, como custeio, manutenção da máquina pública, gastos com encargos e pessoal, etc.
Talvez o único espaço de manobra do governo na área fiscal seja contingenciar (ou “congelar”) alguns investimentos de ministérios específicos, já muito baixos, neste caso, comprometendo os projetos dos PAC e de empresas estatais, com a Petrobras como a mais visada, além de segurar contratações, suspendendo concursos.
Em 2013, o saldo primário foi a 1,9% do PIB, com o governo central registrando 1,5% e os governos regionais 0,4%. A dívida líquida do setor público foi a 33,8% do PIB e a bruta a 57,1%. O desafio neste ano é conseguir aumentar o saldo primário a 2,2%, com uma corrente no mercado acreditando que este será obtido através de “receitas extras”, como nos últimos anos, sendo que em 2013 veio do leilão de Libra e do parcelamento das dívidas dos Refis, totalizando mais de R$ 40 bilhões ao fim do ano.
Uma “receita extra” pode vir do leilão de G4 da telefonia. Por outro lado, temos problemas como a alteração do indexador das dívidas dos estados, a votação pelo STF do prejuízo dos planos econômicos antigos causado aos poupadores, com o Tesouro tendo que vir socorrer os bancos, se aprovado, dentre outros esqueletos que possam surgir. Em paralelo, temos a visita de uma comitiva da agência de rating S&P nos próximos dias para saber se este pacote é factível e não mais um “mar de espuma” criado pelo governo para empurrar o problema para frente, talvez até as eleições. Lembremos que esta agência foi a primeira a elevar a nota do Brasil, mas pode ser a primeira a rebaixá-la, já tendo sinalizado isto ao alterar a expectativa do país, de estável para negativa.
Portanto, o governo só poderá reverter esta maré de desconfiança dos agentes se apresentar um pacote fiscal crível e factível. Este precisa ter credibilidade, ser transparente e realizável. Não pode ser mais um subterfúgio para o governo ganhar tempo até as eleições.
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