José Eduardo Faria, um dos maiores juristas brasileiros, lançou recentemente sua nova obra, intitulada “Corrupção, Justiça e Moralidade Pública”. No livro, o autor analisa a crise política brasileira, a começar pelo julgamento da operação Lava Jato, a partir da filosofia e da sociologia do Direito. “A ideia foi entender como o jogo político funciona, acoplado ao jogo jurídico e vice-versa, tomando como ponto de referência duas questões: A formação dos operadores da Lava Jato e a forma com que o Direito é interpretado em casos onde os autores eram importantes, como empreiteiros, ex-presidente da república e presidente da Câmara”, explica.
Em entrevista exclusiva ao Instituto Millenium, o especialista fala sobre o Direito no combate à corrupção no Brasil. Para isso, traça uma análise histórica da Europa por volta dos anos 1980 e 1985, quando a região enfrentava uma batalha contra máfias russa e italiana, além de ações terroristas. Ao optar por combatê-los através do uso da inteligência, foram utilizadas estratégias de asfixia às fontes de financiamento destas organizações criminosas. A partir daí, constituía-se na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) um grupo chamado “antilavagem de dinheiro”, que elaborou uma minuta de Direito Penal Econômico adotada pelos países parceiros. José Eduardo Faria conta que, em troca de benefícios, o Brasil internalizou essa legislação, considerada contemporânea e muito diferente do Direito Penal tradicional:
“Nós temos um Direito Penal Econômico que mudou o conceito de prova, abriu caminhos para uma série de avaliações por parte de juízes e promotores de novos mecanismos de sistema de inteligência, de softwares para mostrar o que são comportamentos padronizados, ou seja, é um Direito muito mais sofisticado. Isso fez com que os juízes e procuradores aprendessem a manipular esse Direito mais eficiente, enquanto os advogados de defesa dos políticos e empreiteiros continuaram com uma formação tradicional de 1941. Isso vai gerar o embate entre juízes e promotores consequencialistas de um lado e advogados garantistas de outro. É um debate de gerações de advogados, juízes e de legislação penal”.
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O combate à corrupção no Brasil trouxe uma situação de conflito entre o Judiciário e a classe política brasileira. De um lado, segundo José Eduardo Faria, há um discurso defensivo de criminalização da política. “Claramente o Congresso, governadores e prefeitos ficaram assustados. Foi um processo de avanço, de transparência no controle dos gastos públicos e de desmanche em sistemas bem enraizados de corrupção. Por outro lado, é evidente que isso gera tensões e uma série de problemas que levam ao travamento da administração pública e à judicialização da política, ou seja, em alguns momentos você tem excesso tanto do Ministério Público, quanto do Judiciário”.
O STF
A mais alta instância do Judiciário no Brasil tem sido constante alvo de críticas por parte da opinião pública. José Eduardo Faria ressalta que o Supremo Tribunal Federal (STF) deveria ter um órgão colegiado que discutisse suas decisões, construindo votos orgânicos a partir daí. No entanto, para o especialista, há hoje uma falta de diálogo entre os ministros, que resulta em onze votos que acabam não “conversando” entre si.
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“Vamos imaginar que você tenha seis votos pela condenação e cinco pela absolvição. Aritmeticamente, ganharam os votos de condenação, mas eles não constroem um procedente, uma jurisprudência clara que pode ser mantida, muito bem constituída e fundamentada. Por isso, alguns especialistas dizem que o Supremo é formado por onze ilhas, que não se comunicam”, ressalta, destacando, no entanto, que apesar do desgaste da Corte, impulsionado inclusive pelas decisões monocráticas de alguns juízes, o STF é fundamental para preservar o regime democrático. “Há ministros mais bem preparados e outros nem tanto. Na medida em que forem substituídos, isso pode piorar ou melhorar, dependendo dos critérios para indicação. Os ministros passam, mas o Supremo continua”.