“Sistemas (novos) de Estados devem levar em conta as limitações da nossa imaginação e a capacidade de transcender experiências passadas” – Hedley Bull
O capitalismo e a social-democracia “de manual” na Europa não tiveram tão melhor sorte que o socialismo. Pensando assim, sir Ralf Dahrendorf, professor da London School of Economics, falecido em 2009, passou seus últimos 20 anos estimulando modelos de Estado “novos, criativos, não necessariamente únicos nem originais”.
Nesse período os sistemas econômicos tradicionais declinaram, como resultado de pelo menos quatro eventos tão aleatórios quanto inexoráveis: 1) Na Europa, em 1989, o fim do sistema comunista; 2) no mundo todo, o exponencial avanço da tecnologia e, com ela, 3) a globalização acelerada; e 4) nos Estados Unidos, desde 2001, a crise do sistema capitalista, disseminada também na Europa.
Esses fatos relativizaram ideologias e fronteiras, alteraram conceitos de tempo e espaço e trouxeram o renascimento, incipiente no Brasil, de uma sociedade aberta e universal – origem primitiva do homem em sociedade, agora com mais vantagens e perigos.
Em 1989 Dahrendorf já propunha “acabar também com o capitalismo”, defendendo as mudanças em curso com o fim do comunismo. Vislumbrava que este seria “um grande tempo para se viver”.
Para viver este tempo também no Brasil precisamos agir com estratégia, coragem e alguma convergência. É inadiável separar o que sempre foi naturalmente separado – economia e política. Fazendo isso a Alemanha obteve grande sucesso em sua reunificação. Essa é também a origem dos atuais padrões de desenvolvimento dos tigres asiáticos.
Liberdade econômica é a chave que abre a porta de uma realidade e um desenvolvimento que o brasileiro anseia. Precisamos ser rápidos para sair do incômodo 113.º lugar no Índice de Liberdade Econômica (Fundação Heritage), mais próximo de Cuba, 177.º, e da Venezuela, 174.º, do que do Chile, 11.º, e do México, 41.º.
Na monografia Brasil, Sistema 2 – Um País, Um Governo, Dois Sistemas, aprovada no curso LL.M Master of Law do Insper, em São Paulo, foi proposta a tese adotada por China e Reino Unido em Hong Kong – One Country, Two Systems Treaty -, considerada por todos a mais criativa e sábia solução institucional contemporânea, para ser adaptada aqui.
Não há mais tempo a perder sobre a urgência do País em disponibilizar domesticamente liberdades econômicas, nos padrões mundiais, para negócios, investimentos, trabalho, tributos, burocracia e segurança jurídica do sistema privado.
Não deixou de haver resistência e discussão legalista naqueles países. Sempre haverá minorias conservadoras em descompasso com os tempos, interesses corporativos sem sincronia com o interesse da maioria e até traços de xenofobia. Mas essas experiências das inovações institucionais têm tido êxito porque sua genialidade estratégica e sua simplicidade (um país, dois sistemas) prevaleceram sobre princípios tecnicistas e ficções “pétreas” comuns a todos os sistemas.
Não devemos ter muitas dúvidas de que no Brasil uma revisão constitucional será interminável na questão econômica. Corporativismos estatais e paraestatais, cartórios e sindicatos, estruturas sem utilidade para os negócios, erigidas em torno do alto tributo, da burocracia e das (in)atividades acessórias, resistirão muito à revisão constitucional. Menos, porém, a esta proposta, porque ela os preserva funcionando no sistema atual.
Não é idiossincrasia pretender que um link na raiz da Constituição possa criar o “Sistema Brasileiro de Liberdade Econômica”, uma espécie de Sistema 2, simultâneo ao atual sistema, a ser definido num “Apêndice Constitucional”. Restrito e autorregulamentado, com extrema transparência e baixa burocracia, esse ambiente de negócios e trabalho atrairá os investimentos de longo prazo para as demandas de infraestrutura, às quais estará especificamente dirigido. E o Brasil fará uma experiência com a simplicidade da vida no trabalho e nos negócios nos moldes dos países desenvolvidos.
Sob o mesmo governo, funcionará como um facho de luz pelo qual fluirão grandes investimentos e negócios, muito trabalho e emprego nos setores rodoviário, ferroviário, aeroviário, portuário, elétrico, de turismo, entertainment, por exemplo. Essa foi, aliás, a meta prometida para que o País pudesse receber a Copa do Mundo e a Olimpíada nos próximos anos.
Ideia-começo, como qualquer sistema beta, não propõe a adoção do Estado mínimo, mas de um projeto-piloto, benchmarking para tratar apenas dessa infraestrutura. E só então, como todo sistema beta, encubar e cultivar eventuais mudanças estruturais importantes, como de resto já ocorreu em quase todos os continentes.
Sobre países que insistem na conservação do Estado obeso de normas econômicas, Dahrendorf lembrava que “as invariâncias estruturais, os corporativismos e coisas semelhantes não levaram apenas à corrupção, mas, sobretudo, à imobilidade e, naturalmente, a uma competitividade em rápido declínio”. Não há chance de ganhar neste jogo competitivo dos investimentos externos de longo prazo com um Estado tão dirigente e pesado. Mesmo competindo com os enormes Bric-dinossauros Rússia, Índia e China, todos a caminho da ginástica.
O Brasil precisa não apenas preparar as arenas para nos próximos anos abrigar os eventos desportivos mundiais, e atuar bem. Precisa ainda preparar a infraestrutura do País, porque se comprometeu com isso. Antes, por causa da urgência, precisa preparar sua arena institucional para ser um player deste outro jogo, num ambiente global já estabelecido – o da liberdade econômica. Nele prevalecem as liberdades, a estratégia, a lei e os negócios. O Brasil precisa jogar bem.
“A imaginação é mais importante que o conhecimento”, dizia Einstein.
Fonte: Jornal “O Estado de S.Paulo” – 10/08/10
O senhor Dietrich não convence ninguém. Não tem bom entendimento sobre Estado e mercado para pregar a separação entre política e economia, muito menos conhece a realidade de países subdesenvolvidos ao querer empregar no Brasil expedientes que foram sucesso na Alemanha.
Obrigado pelo comentário, Sr. Leite. Pondero com o senhor que a separação entre Política e Economia foi o fundamento do sucesso da re-unificação alemã, liderada por Helmuth Kohl e Hans-Dietrich Genscher. Esta afirmação não é fruto de uma opinião, mas a própria história que está nos livros. Do mesmo modo, é o principal e atual esteio da inovadora solução institucional “One Country, Two Systems” em Hong-Kong. Sobre a realidade do subdesenvolvimento, vivo no Brasil e conheço os principais países latino-americanos. Quanto à solução para eles, concordo que é difícil, e compartilho da preocupação de Plínio Mendoza Apuleyo, Alvaro Vargas Llosa e Carlos Alberto Montaner, em seu mais famoso livro. É realmente difícil, mas necessário encontrar uma saída para este gridlock que é sócio-econômico, mas também político e cultural. Algo como o Ensaio sobre a Cegueira, de Saramago.
O livro se chama “Manual do Perfeito Idiota Latino Americano”.