No dia 7 de março de 2004, uma matéria na página 25 da Gazeta do Povo trazia a seguinte manchete: “Alemão quer que governo pague sexo para ele”. O texto era sobre um desempregado que havia processado a prefeitura da cidade de Ansbach pedindo assistência sexual gratuita. O requerente invocava dispositivos legais do país que diziam ser o governo alemão obrigado a garantir bem-estar físico e psicológico aos cidadãos, e que ele padecia de “consideráveis necessidades sexuais”. A corte de Justiça não se comoveu com as coceiras hormonais do rapaz e rejeitou o pedido.
Essa situação seria apenas cômica, digna de um programa de humor, se não fosse trágica e símbolo da cultura da dependência estatal que tomou conta do mundo ocidental após a Segunda Guerra Mundial. A ideia de que tudo se resolve no Estado teve sua expressão máxima na Constituição brasileira de 1967, no artigo 158, inciso XIX, que assegurava aos brasileiros “colônia de férias e clínicas de repouso”. A partir de Karl Marx, cresceu a legião de intelectuais, pensadores e políticos, na direita e na esquerda, dedicados a convencer a sociedade de que para cada problema individual há sempre uma solução estatal.
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A social-democracia, que se propunha ser uma terceira via entre socialismo e capitalismo, foi responsável pelo crescimento do setor público e pelo aumento da tributação. A essência dessa ideia é que o sistema produtivo deve ser capitalista, com base na propriedade privada, na organização empresarial da produção e no trabalho assalariado, mas com governo grande, tributação pesada e programas de transferência de renda via serviços públicos. Os social-democratas se inspiraram em Marx para dizer que o problema da produção já estava resolvido e tudo se resumia a ter um bom sistema de distribuição.
Os defensores desse modelo não entenderam duas coisas. A primeira, que Marx não estava pensando na pobre Rússia czarista quando propôs o socialismo, mas na Inglaterra, um país com desenvolvido capitalismo industrial sob um regime liberal. Marx disse, em A Ideologia Alemã, que enquanto não houver aumento da produtividade capaz de gerar abundância, a briga pela redistribuição será apenas uma briga pela “die alte Scheisse” (a velha merda).
Ajudados pela grande depressão econômica dos anos 1930, que reduziu o produto mundial e lançou milhões no desemprego, os adeptos do crescimento do Estado tiveram a oportunidade de promover a expansão desmedida da máquina pública. Porém, cinco décadas depois, o gigantismo estatal gerou subprodutos perversos: carga tributária pesada, ineficiência governamental, inibição do investimento privado, casta de funcionários públicos de altos salários, privilégios para os tripulantes da máquina oficial, déficits fiscais, elevadas dívidas públicas e muita corrupção.
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Conquanto o governo seja necessário e tenha suas funções, o gigantismo estatal e o excesso de intervenção na vida das pessoas passaram a produzir a doença que vieram para curar, além de disseminarem uma danosa consequência de natureza cultural: a crença de que a solução de todos os males sociais e individuais está no Estado. Na América Latina, os políticos populistas e demagogos cresceram na esteira da cultura da dependência, que se tornou a marca de grande parte da população.
O alemão desempregado de Ansbach, afora o aspecto hilário e jocoso de sua ação, apenas expôs o reflexo da crença de que o bem-estar é direito de todos e dever do Estado. Não se trata de ser contra redes de proteção social, mas é justamente para bem cumprir esse papel que o Estado não pode ser inchado, perdulário, endividado e excessivamente tributador. O caso do Brasil hoje é notório: o maior obstáculo ao crescimento econômico é o setor público, inchado, ineficiente, endividado e corrupto.
A redução da pobreza depende da criação de riqueza, tarefa da sociedade e do sistema produtivo privado.
Fonte: “Gazeta do Povo”, 08/06/2018