Antônio Belo é um cara bem-sucedido. Aos 34 anos, ocupa um cargo de alta gerência em uma multinacional, tem prestígio e um bom salário. Com isso, conseguiu financiamento para comprar um bom apartamento e um carro bacana, que são muito desfrutados. Infelizmente, além das dívidas dos financiamentos do apartamento e do carro, Antônio deve no cartão de crédito e no cheque especial e não sabe nem o tamanho das dívidas, nem quanto paga de juros.
Pessoas como Antônio, que mesmo ganhando bem estão atoladas em dívidas, são raras, certo? Infelizmente, não. Uma pesquisa exclusiva – com 1.555 brasileiros entre 18 e 60 anos das classes A, B e C em 255 municípios – da minha empresa, a Ricam Consultoria, em parceria com a Ilumeo, descobriu que os Antônios são a regra, não a exceção. Mais importante, ela aponta a principal causa de o Brasil ter se tornado um país de Antônios: o analfabetismo financeiro.
O mau desempenho da educação no Brasil não é novidade para ninguém, porém um aspecto importante costuma ser relevado. Falta ensino sistemático em finanças pessoais desde nosso ensino básico. Nunca chegamos a aplicar em nossas vidas a maior parte do que aprendemos na escola, mas não aprendemos ou aprendemos mal algo que usaremos em toda a vida: finanças pessoais.
[su_quote]Com crédito farto, mas com conhecimentos financeiros limitados, muitos se endividaram além das suas possibilidades[/su_quote]
No Brasil da hiperinflação, as opções na vida financeira das pessoas eram limitadas e os horizontes, curtos. Todos sabiam exatamente o que fazer com o dinheiro. Assim que você recebia o salário, você comprava tudo que precisava porque já no dia seguinte tudo estaria mais caro e no final do mês, talvez, você só pudesse comprar metade do que comprou no dia 1º. Praticamente não havia oferta de crédito. Portanto, ninguém poderia se endividar, nem que quisesse. As opções de investimento também eram limitadas e de curtíssimo prazo, lideradas pelo overnight – investimentos em renda fixa renovados diariamente.
Há 20 anos, a hiperinflação ficou para trás e a realidade financeira no País mudou radicalmente. Acesso a crédito deixou de ser um problema, permitindo que dezenas de milhões de brasileiros comprassem produtos e serviços que antes só faziam parte dos seus sonhos. Por outro lado, com crédito farto, mas com conhecimentos financeiros limitados, muitos se endividaram além das suas possibilidades. Segundo dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), hoje duas em cada três famílias brasileiras têm dívidas.
Mais grave, a pesquisa Ricam-Ilumeo indicou que dos que devem no cheque especial, por exemplo, sete em cada dez não sabem quanto pagam de juros e um em cada três não tem nenhum tipo de planejamento em relação a em quanto tempo pretende pagar as dívidas. Eu não conheço ninguém que compre um produto sem nem saber quanto custa, mas a maioria das pessoas faz exatamente isso quando se endivida. Apenas um em cada três brasileiros anota e controla seus gastos.
Se o quadro é preocupante com relação a gastos e endividamento, não é melhor em relação a poupança e investimentos – 43% dos pesquisados nunca ouviram nenhuma dica ou orientação financeira. Apenas 12% já investiram em previdência privada. Em um país em que a solvência da previdência pública daqui a algumas décadas está longe de ser garantida, não planejar a aposentadoria pode custar muito caro.
Pior, apenas 3% já investiram em ações, contra 64% que já investiram na caderneta de poupança. Infelizmente, em períodos longos de tempo, a segurança da caderneta de poupança acaba custando muito caro. Tanto nos últimos dez anos quanto nos últimos 20 anos, a rentabilidade da poupança ficou para trás da dos títulos públicos, dos CDBs, da bolsa, dos imóveis e do ouro.
Felizmente, cada vez mais, instituições financeiras, como bancos e corretoras, e empresas em geral investem na capacitação financeira de clientes e funcionários. Bancos, por exemplo, não têm interesse em que as pessoas se endividem além do que podem pagar, pois, nesse caso, acabarão levando calotes. Para as empresas, funcionários com problemas financeiros são muito menos produtivos porque sua atenção não está no trabalho.
O que nossa pesquisa sugere é que o trabalho de alfabetização financeira de nossos Antônios é cada vez mais urgente e importante.
Fonte: Isto é, 9/5/2014
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