A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que limita o aumento dos gastos públicos à inflação do ano anterior tem despertado questionamentos importantes, principalmente da parte de analistas que se dizem preocupados em preservar os gastos públicos em educação e saúde. Segundo estes analistas, como as despesas com Previdência e assistência social vão crescer acima da inflação e o aumento do total de gastos não poderá ultrapassar a inflação do ano anterior, algum outro componente da estrutura de gastos públicos terá de ajustar-se para que a regra não seja descumprida. E os candidatos mais claros são saúde e educação.
Essas preocupações são bastante relevantes na medida em que educação e saúde deveriam ser as principais prioridades de qualquer país de renda média, como o Brasil, que pretenda se tornar um país de renda elevada no futuro. Mas elas partem da premissa de que é inexorável que os gastos com aposentadorias e pensões cresçam acima da inflação do ano anterior. Porém, a evolução desses gastos depende da manutenção ou não das regras hoje vigentes no sistema previdenciário e assistencial do país, o que, como veremos, é insustentável.
Nosso sistema de aposentadorias e pensões é extremamente generoso, se comparado ao de outros países. O Brasil gasta hoje 13% do PIB com aposentadorias e pensões de inativos do setor público e do setor privado e tem aproximadamente 7% de sua população com mais de 65 anos de idade. Países que gastam esse montante do PIB com assistência e Previdência Social (Alemanha, por exemplo) têm uma porcentagem muito maior da população com mais de 65 anos (mais de 20%, no caso da Alemanha).
O Brasil é um claro “outlier”, ou seja, fora do normal, neste quesito. É um dos poucos países que não têm uma idade mínima para se aposentar. Em média, a idade em que as pessoas se aposentam no Brasil é 55 anos, ou seja, no auge da capacidade de trabalho. Hoje, 41,5% das despesas do orçamento público federal se destinam a pagar aposentadorias e pensões. E o pior é que, como a expectativa de vida da população está aumentando, mantidas as regras atuais, a tendência ao aumento do gasto é inexorável. Com inflação de 4,5% ao ano, os gastos com Previdência e assistência social aumentariam 9,8% ao ano. Se nada for feito e se todos os outros itens do Orçamento forem reajustados pela inflação, daqui a 20 anos os gastos com Previdência e assistência atingirão 64% do total de gastos do governo federal.
Por outro lado, caso a PEC seja aprovada, sem reforma do sistema de aposentadorias e pensões, em 20 anos todo o gasto do governo federal terá de ser destinado a pagar estes benefícios. Isso mostra que apenas aprovar a PEC não é uma proposta viável. Será necessário aprovar também uma mudança abrangente nas regras da Previdência e assistência social. Por outro lado, a não aprovação da PEC não resolverá o problema, apenas adiaria o dia da verdade. Seria como dar morfina a um doente em estado quase terminal. Diminui as dores no curto prazo, mas enfraquece ainda mais o doente no longo prazo. É fundamental intervir para curar a doença, ainda que o tratamento seja doloroso.
A excessiva benevolência do sistema de Previdência e assistência social brasileiro terá de ser atacada mais cedo ou mais tarde. E, quanto mais cedo, menos doloroso será o tratamento. A maior virtude da PEC que limita o crescimento dos gastos é exatamente explicitar esse fato, na medida em que mostra que o sistema previdenciário é insustentável. Com isso, espera-se que todos os cidadãos efetivamente interessados em preservar os gastos com saúde e educação se mobilizem em prol da aprovação de uma reforma que torne o sistema de aposentadorias e pensões sustentável. Não aprovar esta PEC com o argumento de que, com ela, os gastos com educação e saúde teriam de ser reduzidos, seria um tiro que sai pela culatra.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 21 de agosto de 2016.
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