Madrugada de domingo na cidade do Rio de Janeiro. Tratores e escavadeiras, com logotipos da prefeitura, avançam em direção ao pedágio da Linha Amarela, uma via de ligação entre as Zonas Oeste e Norte da cidade, construída em parceria pelo município e a iniciativa privada. Quem passava pelo local na hora achou que fossem milicianos ou bandidos usando veículos roubados da prefeitura, algo rotineiro por aqui. Infelizmente, para espanto geral, não era.
Tratava-se da ação de um prefeito autoritário e sem a mínima noção do que vem a ser o estado de direito, o império da lei e o devido processo legal. Contrário ao contrato de concessão da via, prorrogado até 2037 pela administração anterior, através de processo regular e válido (pelo menos até decisão em contrário da justiça), o prefeito Marcello Crivella vem tentando rompê-lo desde que assumiu o governo, em 2016. Como não obteve êxito até agora, Crivella partiu para a truculência dos autoritários. “Não fui eleito para ser omisso e para me acovardar. Não sou um homem de desfilar na Marques da Sapucaí. Não sou de aparecer, mas cumpro meu dever, que era esse”, justificou, para em seguida completar: “A prefeitura, como dona da concessão e da Linha Amarela tomou medidas para que o pedágio não fosse cobrado e vai demorar um tempo para que volte.”
Felizmente, já na segunda feira pela manhã, a justiça colocou ordem nas coisas e, numa decisão rápida e oportuna, restabeleceu o status quo e mandou devolver a administração da via a quem de direito, estabelecendo ainda uma multa diária de R$100.000 à prefeitura, enquanto a concessionária estiver impossibilitada de cobrar o pedágio.
Segundo o prefeito, o contrato apresenta um grave desequilíbrio econômico-financeiro, mas a concessionária se recusa a negociar a revisão do mesmo, alegando que as planilhas da prefeitura estão erradas. Crivella conta com o apoio de parte da Câmara de vereadores, que inclusive já instalou uma CPI a respeito. Porém, não pretendo aqui entrar em detalhes sobre o mérito da discussão, mesmo porque não conheço o processo. Mas isso é absolutamente indiferente no momento, pois independentemente de quem tem razão, o prefeito a perdeu por completo ao fazer o que fez.
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É evidente que se trata de uma ação demagógica e populista de um prefeito que pretende angariar popularidade em véspera de eleições. Infelizmente, muita gente ainda se deixa enganar por esse tipo de estratagema, e não foram poucos os que apoiaram a medida, principalmente os usuários regulares da via que ainda acreditam em “almoço grátis”. É claro, entretanto, pelo menos para quem conhece a realidade, que o custo dessa aventura truculenta será muito alto – e bancado pelos mesmos personagens de sempre: os pagadores de impostos.
Mas, por incrível que pareça, os custos financeiros diretos da bobajada não são o mais importante. Os prejuízos em termos de insegurança jurídica que isso gera são muito piores. A cidade do Rio de Janeiro, como ademais todo o estado, passa por um momento econômico delicadíssimo. O Centro da Cidade, área comercial por excelência, parece uma cidade fantasma, tantas são as lojas e escritórios fechados. O subúrbio, onde se localizavam as indústrias, não fica atrás. Reportagem recente do Jornal O Globo mostrou que, entre todas as capitais do país, a Cidade Maravilhosa ocupa o último lugar, disparado, em termos de recuperação econômica e geração/perda de empregos. E isso tudo tem uma explicação: a falta de segurança pública e a falência total do Estado, incapaz de fornecer e manter um mínimo de infraestrutura para as indústrias, o comércio, os serviços e o turismo.
Com isso, não são poucas as empresas que estão abandonando a cidade (e o estado), em busca de locais mais seguros e com infraestrutura adequada aos seus negócios. Não por acaso, o Rio é o campeão nacional em roubo de cargas, a ponto de as companhias de seguro estarem se recusando a fazer seguro de cargas com destino ao Rio. Sem falar nos altos índices de criminalidade, que estão afastando turistas nacionais e estrangeiros.
Brevemente, haverá um mega leilão de petróleo do Pré-Sal. Seria uma ótima oportunidade para que o Rio, pela proximidade com os campos a serem licitados, voltasse a receber investimentos e empresas interessadas em estabelecer-se aqui. Mas será que estarão interessadas em correr tantos riscos? Será que o exemplo de truculência do prefeito, mandando suas máquinas para cima da propriedade alheia, não gerará nas empresas uma sensação ainda maior de insegurança – física e jurídica – capaz de afastá-las em direção de locais bem mais seguros e preparados para recebê-las, como Espírito Santo e São Paulo?
Quando a gente acha que já desceu ao fundo do poço, vem um prefeito e mostra que, pelo menos no caso do Rio de Janeiro, o fundo do poço não existe…